pode dizer que aconteça com certa pessoa que nós
sabemos...
Essa dá muito mais que fallar pela sua conducta do que pelo seu
talento...
Foi devéras infeliz a princeza em questões de theatro. Viu-se sempre
embaraçada. Até se quizesse citar alguma actriz que se distinguisse das
suas collegas pelo seu luxo ou pelos seus amores, até n'essas
circumstancias os embaraços lhe não permittiriam a citação...
É realmente estar com azar.
Pois nós se quizessemos citar alguma princeza que se distinguisse de
todas as outras pelo seu luxo tapageur ou pelos seus amores, faziamos
isso sem a mais pequena difficuldade...
* * * * *
Termina sua alteza o capitulo dos theatros fallando das dançarinas de S.
Carlos. Diz sua alteza:--«As dançarinas não dão que fallar de si. Ha
para isto duas razões:--a primeira é que, salvo duas ou tres excepções
são feias que mettem medo a segunda é que a maioria d'ellas parece-me
ter chegado, a esta edade feliz em que se tem jus á veneração e ao
respeito.»
Ora aqui está o que aconteceria a sua alteza se em vez de ser uma bas
bleue pretenciosa fôsse dançarina de S. Carlos. Ninguem fallaria n'ella...
Por tudo, e principalmente... pela segunda razão...
* * * * *
Deixemos porém os theatros e vejamos o que a princeza diz a respeito
do nosso mais notavel monumento--o mosteiro da Batalha.
«Batalha, tambem pequena cidade, (que disparate!) alguns kilometros
mais longe (do que Alcobaça, que descreve antes) possue um mosteiro
mais pequeno; mas tambem gothico, e de um estylo ainda mais puro
que o de Alcobaça.
Este mosteiro foi fundado pelo rei D. João I, que ahi repousa. Nota-se
particularmente a sala do capitulo, cuja elegancia é superior a toda a
expressão, bem como o claustro. Decididamente, os senhores frades
d'aquelles tempos tinham bem boas habitações, e é pena que se não
tivessem construido mais, tão encantadoras, não para lhe servirem
unicamente de residencia, mas para alegrarem os olhos dos touristes.»
Ter visto a Batalha, ter entrado n'aquelle monumento, que é uma
verdadeira epopeia de pedra, e escrever o que ahi fica, sabe o que é,
princeza?--é um diploma. Simplesmente não lhe digo de quê.--Vá ter
com alguns dos muitos estrangeiros illustres que visitaram aquelle
mosteiro, francezes, inglezes, italianos, hespanhoes, russos, allemães,
ou de qualquer outra nacionalidade, diga-lhes que viu a Batalha,
mostre-lhes depois o que escreveu no seu livro... qualquer d'elles lhe
dirá de que é o tal diploma...
Mas, que diabo! tambem não pode haver tempo para tudo, e, ella por
ella, a equipagem do marquez de V. é decerto muito mais digna de
attenção do que o monumental edificio da Batalha!
É pena, diz sua alteza, que não se tivessem construido mais
monumentos para alegrar os olhos dos touristes...
Ah! sim, é pena! pois não! chega a ser uma dôr d'alma não estar o reino
de Portugal cheio de monumentos, como a Batalha, para que sua alteza,
a muito alta e muito nobre princeza Rattazzi, podesse percorrer o paiz
com os olhinhos alegres!
* * * * *
Porque afinal de contas, o magestoso e sublime mosteiro não lhe
causou nenhuma outra impressão... alegrou-lhe o olho.
Frei Luiz de Sousa, descreve-o com a sua penna de ouro, o inglez
Murphy estuda-o maravilhado durante largos annos, o erudito
patriarcha D. Francisco de S. Luiz dedica-lhe uma extensa
memoria:--n'uma palavra, nacionaes e estrangeiros, curvam-se
reverentes em presença do patriotico e veneravel monumento... Rattazzi
vae vel-o... faz-lhe a honra de conceder-lhe doze linhas... e
alegra-se-lhe o olho... Isto é, o mosteiro produz-lhe o mesmo effeito
que um copinho de chartreuse... Vamos compatriotas, sirvam café á
princeza, e tragam n'uma bandeja... mosteiro da Batalha e copos... Sua
alteza tem o olhar basso e triste... alegremos-lhe o olho... dêmos-lhe um
calicesinho da sala do capitulo... Então princeza, nada de ceremonias...
Se quer mandamos tambem buscar os Jeronymos... Beba, beba...
Alegre-se... alegre-se...
É impagavel no fim de tudo esta Rattazzi:--Melicio é espirituoso e
incisivo, e a Batalha... alegra-lhe o olho...
Delicioso, como dizia o Leoni nos Amores de Boccacio...
* * * * *
Tudo quanto o leitor tem visto até agora, fica porém eclipsado pelo
capitulo em que a muito nobre princeza falla do modo porque os
estrangeiros são recebidos em Lisboa.
Leiam:
* * * * *
«Pode dizer-se, sem grande exaggero, que ha um secreto horror pelos
estrangeiros e que são olhados com maus olhos. Entretanto esta
execração tem graus e não deixa de ser curioso fazer o seu estudo.
Supponhamos que um pobre diabo cae de inanição n'uma das praças
publicas de Lisboa, confessando que não recebeu do céu a graça de ter
nascido cidadão portuguez.
1.^o--Se é inglez, dão-lhe os restos da comida do dia antecedente.
2.^o--Se é allemão, um bocado de pão.
3.^o--Se é americano, umas migalhas.
4.^o--Se é italiano, um copo de
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