A princeza na berlinda | Page 6

Urbano de Castro
praso determinado para as suas representações pela
excellente rasão de que as receitas são mais de que mediocres. Os
artistas e directores do Gymnasio acham-se constantemente, uns para
com os outros, na situação de um credor importuno para com Mr. de
Tayllerand.
--O senhor não me dirá quando me paga o que me deve? dizia o credor.
--Ora sempre é muito curioso, respondeu o principe.»
Realmente é difficil perceber a que vem isto. Pela nossa parte
entendemos que são profundamente ridiculos todos estes promenores
da vida intima dos theatros... Julgamos além d'isso haver falsidade no
mexerico da princeza. Mas ainda que seja verdade o que ella diz, não
será de mau gosto trazer questõesinhas de soalheiro para um livro de
viagens?
Do Gymnasio, diz ainda, que viu ali representar magistralmente o actor
Pedro, secundado por duas jovens e formosas mulheres Candida e

Lora?
Dou-lhes um doce se adivinharem quem são estas duas jovens e
formosas mulheres. Candida e Lora quer dizer Amelia Vieira e Emilia
dos Anjos. Ha porém uma difficuldade, e desde já nos confessamos
incompetentes para a resolver:--Qual será a Lora?
Mysterio que só a princeza poderá decifrar.
* * * * *
Do theatro da Rua dos Condes diz que se representa ali Lazaro, o
pastor... É possivel. Em todo o caso devemos declarar que essa peça
subiu á scena expressamente para sua alteza a ver, e que foi ainda sua
alteza a unica espectadora... O publico não a viu nunca.
* * * * *
No capitulo Theatros trata muito natural e judiciosamente o assumpto
pateadas. Não gosta d'ellas, parecem-lhe estupidos e injustos os sujeitos
que pateiam. Abre curso de sensibilidade no artigo pateader.
Comprehende-se:--ella é que está sensibilisada ao escrever tudo isto,
recordando-se do modo porque a plateia dos Recreios recebeu a sua
insipida e soporifera comedia.
Tenha paciencia. Diz no seu livro que esta phrase se applica a tudo no
nosso paiz. É verdade. Applica-se a tudo. Até ás princezas infelizes que
são pateadas.
Diz sua alteza fallando nos hoteis que os colchões são durissimos em
todos elles; no Braganza parecem até cheios de cacos de garrafas...
Mas afinal sempre temos por cá alguma coisa mais dura do que os
colchões... as pateadas...
Custam a roer, custam... Mas que se hade fazer? Rôa, rôa. De resto
parece-nos que sua alteza tem deveras a bossa do estylo lacrimoso...
Chore--a lagrima é livre.

* * * * *
Depois da nenia das pateadas passa sua alteza a fallar da vida dos
bastidores em Lisboa. Dêmos-lhe mais uma vez a palavra:--«--A vida
dos bastidores em Portugal está ainda no estado primitivo. É mais
burgueza que desregrada. Na maioria dos theatros as actrizes são
casadas ou vivem maritalmente com pessoas da sua escolha, dando,
com rarissimas excepções tanto que fallar pela sua conducta como pelo
seu talento. Se quizesse citar alguma que se distinguisse das suas
collegas pelo seu luxo ou pelos seus amores, ver me-hia deveras
embaraçada, não obstante ter pedido informações a toda a gente.»
* * * * *
Sim, a princeza pedio informações a toda a gente. Apenas qualquer
sujeito tinha a honra de lhe ser apresentado, a primeira coisa que a
princeza fazia era disparar-lhe esta pergunta á queima roupa:--Ora
diga-me meu bom amigo, sabe alguma coisa da Emilia das
Neves?--Que lhe consta da Delfina?--Não se rosna coisa nenhuma
d'aquella Joanna Carlota da rua dos Condes?
Esta febre da princeza em indagar a vida intima das nossas actrizes
faz-me lembrar a historia de um provinciano que vindo a Lisboa pela
primeira vez, com ideas muito errados acerca das nossas mulheres de
theatro, começou durante a representação, de não sei que peça em D.
Maria, a interrogar o visinho do lado, pelo theor que vae vêr-se, sempre
que apparecia em scena alguma actriz.
Entrava por exemplo a sr.^a Emilia das Neves, o provinciano
voltava-se para o sujeito e dizia-lhe piscando-lhe o olho
intencionalmente:
--Esta...?
E o sujeito:
--Não sei...

Entrava a sr.^a Virginia:
--E esta...?
--Homem deixe-me...
Entrava a sr.^a Amelia Vieira.
--E esta...?
--Diabo, o senhor é inconveniente! Não sei nada...
O provinciano porém não se dava por vencido.
--E esta...? continuava elle sempre a perguntar.
De repente entra o Theodorico. Então o sujeito, desesperado, fulo,
volta-se para o pobre provinciano e diz-lhe muito serio:
--Olhe este... com certesa...
A princeza fez exactamente o papel do provinciano, e, tão infeliz como
elle, não ficou sabendo coisa nenhuma...
Ficou até sabendo menos que o provinciano...
* * * * *
Em todo o caso registe-se que no entender de sua alteza a vida dos
bastidores em Portugal é uma pulhice... «Mais burgueza que
desregrada...» chega a ser infame, não é assim princeza?
E depois que mulheres estas de theatro! Que impossiveis creaturinhas!
Dão tanto que fallar pela sua conducta como pelo seu talento... O
mesmo não se
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