não escreveu o seu livro tal qual o pensou princeza?
Porque não nos deu, por exemplo, uma pagina n'este genero:--«Uma
vez, tendo entrado casualmente n'uma egreja, approximei-me d'uma
mulher que estava rezando, em voz sufficientemente alta, para que se
podesse perceber o que ella dizia... Approximo-me mais, e calculem o
meu espanto, ao ouvir estas palavras:--Padre, nosso, que estaes nos
céus santificado... Accreditarão agora que isto quer dizer em
portuguez:--Notre père qui étes aux cieux, que votre nom soit, santifié...
Como diabo, perdoe-se-me a heresia, quererão os meus bons amigos
portuguezes que Nosso Senhor os entenda?»
E não seria este por certo o menos notavel dos seus espantos.
* * * * *
Antes de passarmos adiante contemos um disparate que não deixa de
ter graça. A paginas, não sei quantas, escrevendo a princeza que nós
não fazemos uso de fogões para aquecer as casas, diz pouco mais ou
menos o seguinte:--De resto, se fizessem uso d'elles, não se haviam de
vêr em pequenos embaraços para arranjar o combustivel, a não ser que
deitassem a mobilia ao fogo. A lenha é absolutamente desconhecida em
Portugal, e custa cada kilo... tres mil réis!»
--Oh! princeza, se vossa alteza quando esteve em Lisboa pagou a lenha
por aquelle preço, devo dizer-lhe duas coisas:--a primeira, é que o seu
livro passa a ser um favo do Hymeto, a segunda... é que foi roubada!
* * * * *
O que é verdade porém é que Lisboa deve um grande serviço á princesa.
Nem mais nem menos do que a rusga feita ás casas de jogo nos
principios d'este mez.
Se duvidam, leiam.
* * * * *
Ha muito que no governo civil havia uma tal ou qual suspeitasinha,
uma vaga desconfiança, de que a roleta, esse terrivel philloxera das
algibeiras, tivera o inqualificavel arrojo, o descaro inaudito de assentar
os seus arraiaes--aqui--na patria de Camões, nas bochechas do sr. Rosa
Araujo, representante da dita patria. Mas tudo era vago, incerto,
nebuloso... A policia posta em campo nada descobrira. Procurara-a,--oh!
se a procurara!--como o nauta procura o norte, como a ave procura o
ninho, como a féra o seu covil--mas, apesar de a procurar com todo este
excesso de poesia, o resultado era sempre o mesmo... nada, nada, nada,
tres vezes nada coisa nenhuma!
O habil Antunes, o eximio Castello Branco, o nunca assás cantado
37--e muitos outros egualmente habeis, egualmente eximios,
egualmente nunca assás cantados, encarregados secretamente de a
descobrirem, pozeram em pratica as maiores subtilesas policiaes. Um
d'elles chegou a disfarçar-se em G. L. P... Nem assim a encontrou!
Nada os fazia recuar, nada os intimidava, desconheciam... e creio que
ainda desconhecem, o verbo trepidar! Passeios, botequins, theatros,
tudo assaltaram em busca da criminosa... Era um phrenesi, um delirio,
uma raiva... Mas a scelerada não apparecia!
--E comtudo ella existe! exclamava o governo civil com o tom solemne
com que por muito tempo se julgou que o sabio Gallileu dissera o
legendario:--E pur si muove!
Era para perder a cabeça.
* * * * *
Estavam as coisas n'estes termos quando chegou o livro da princeza. O
governo civil compra-o, começa a lêl-o e ao chegar a paginas 149, já
não diz: «E comtudo ella existe!» no tom de Gallileu, mas, qual outro
Archimedés, toilette aparte, solta do fundo do seio um jubiloso Eureka!
Ah! é que effectivamente o caso não era para menos. A pagina 149,
fallando das batotas, diz a princeza:
Ha uma na rua do Alecrim.
Uma, rua das Gavias.
Uma, praça de Camões.
Duas, rua da Emenda.
Uma, rua de S. Francisco.
Uma, travessa de Santa Justa.
Tres ou quatro á Ribeira Velha.
--Obrigado meu Deus! exclamou então o governo civil imitando d'esta
vez a sr.^a Emilia das Neves, obrigado meu Deus!
* * * * *
E aqui está como a policia conseguiu saber onde eram as batotas. Ah!
princeza, princeza, vossa alteza merecia que pelo menos a fizessem...
chefe d'esquadra.
E note-se mais, é ella, é ella quem ensina no seu livro como se faz uma
rusga. Duvidam?
Leiam.
«--Em Paris a policia tem um serviço especial para este genero de
industria prohibida. Os agentes d'este serviço espiam os batoteiros,
estudam cuidadosamente o terreno, e uma bella noite cahem lá dentro
como um raio e prendem todos, levando o dinheiro que está em cima
das mesas.»
A policia seguiu as instrucções da princeza tanto á risca, que até
escolheu uma bella noite, une belle nuit, para fazer a sua rusga!
Diz ainda sua alteza:--A mobilia é confiscada... e a policia confiscou a
mobilia.
Decididamente, a princeza tem todo o direito... a um apito honorario!
* * * * *
Vejamos agora como sua alteza falla de alguns dos nossos escriptores.
* * * * *
--Camillo Castello Branco, que parece o condemnado aos trabalhos
publicos da litteratura portugueza,
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