A princeza na berlinda | Page 3

Urbano de Castro
pessoal vem empoado e veste uma libré verde claro que
deslumbra a vista e faz piscar os olhos. Não se póde imaginar nada
mais original. Quando a cerimonia terminou e a parte official do
programma está cumprida, o marquez faz gravemente o giro das
principaes ruas e praças de Lisboa para se fazer admirar. Em Paris

entraria em casa corrido a batatas cozidas. Aqui deixam-o em paz--é
costume.
Se eu fosse rei de Portugal prohibia a este fidalgo, sob as mais graves
penas, de me fazer assim cortejo com a sua entrudada, mas, com isso,
arriscaria talvez a minha corôa.
É de justiça acrescentar que o marquez de V. é um homem instruido.
Que seria, Deus meu, se o não fosse!»
Realmente está parecido... O Antonio Maria não o faz melhor...
* * * * *
Depois d'estes perfis hilariantes como o protoxido de azote, tenha o
leitor a paciencia de me acompanhar ao capitulo em que sua altesa nos
dá a honra de fallar dos nossos enterros.
Dêmos a palavra á princeza:
«É realmente coisa curiosa que acompanhando o pae os filhos ao
cemiterio, estes não acompanhem os paes: não é costume. Deixa-se este
cuidado aos parentes mais affastados ou aos amigos. Porquê? Não m'o
poderam explicar: acho porém esquisito.»
Está no seu direito. Foi porém mal informada. Os paes tambem não
acompanham os filhos. Quanto a achar o caso estranho não tem de quê.
O facto de em França os parentes mais proximos acompanharem os
cadaveres dos seus defunctos não prova nada, senão que até na morte é
verdadeiro o dictado:--Cada terra com seu uso... O que é deveras
esquisito, é querer sua altesa que os costumes sejam os mesmos em
todos os paizes. Para quem se propõe escrever livros de viagem, não
póde haver ponto de vista mais ridiculo nem mais acanhado.
Continua a auctora:--«Quando uma pessoa morre, a familia não envia
cartas de participação. Faz um annuncio nos jornaes, e está tudo
prompto, visto que o dito annuncio termina invariavelmente por este
cliché: Não se fazem convites especiaes attendendo ao estado de

consternação indizivel em que a familia está...
Comprehendo muito bem que a familia esteja n'um estado de
consternação indizivel: entretanto, visto que esta consternação lhe
permitte fazer annuncios nos jornaes, parece-me que, com um pequeno
esforço, lhe permittiria tambem enviar cartas de participação impressas
a casa de cada um, como se faz nos outros paizes.
Resulta com effeito d'este costume que, se não se lerem os jornaes, ou
antes os annuncios dos jornaes, póde muito bem acontecer deixar uma
pessoa de acompanhar ao cemiterio o seu tio, primo, ou o seu melhor
amigo.»
Foi ainda mal informada sua alteza. É verdade que muitas vezes o
annuncio funebre termina por aquelle molho, mas não é menos verdade
que rarissimas vezes se deixa de enviar cartas de participação. Sua
alteza não recebeu nenhuma, e por isso naturalmente lembrou-se de nos
ensinar como estas coisas se fazem nos paizes civilisados. Obrigado
princeza. Quanto a não ter recebido carta alguma de participação
desculpe:--hei de mandar-lhe uma... quando morrer o meu Tareco.
Coitada! Infeliz princeza! Ninguem lhe mandou carta de participação.
Então que se lhe ha de fazer, no nosso paiz os enterros serão tudo
quanto quizer... mas não são entrudadas...
A respeito dos chavões com que é costume fechar annuncios funebres
faltou-lhe ainda um. É este:--não se fazem convites especiaes por
expressa determinação do finado. Foi pena escapar. Que bella pagina
humoristica não escrevia a princeza com thema tão divertido!
* * * * *
Mas nem só os enterros tem a honra de espantar sua alteza... O livro
está cheio de exemplos do mesmo genero.
Sente-se mesmo em algumas paginas que a princeza não chega a contar
metade dos seus espantos... Qual metade!--nem a decima, nem a
centesima, nem a milesima parte...

Porque a verdade é esta:--sua alteza apenas transpoz a fronteira
começou a sentir as dôres... do espanto... Exactamente, agora é que eu
acertei... começou a sentir as dôres do espanto, e o seu livro, que até
hoje ninguem sabia bem o que é, passa agora muito logicamente a ser o
feliz parto que a alliviou das citadas dôres, logo que ella se viu em
terreno conhecido, que é como quem diria:--logo que a natureza
permittiu que o robusto menino visse a clara luz do dia...
Espanto! Espanto! sempre espanto!
Os portuguezes não dizem «até manhã» dizem «até ámanhã se Deus
quizer»--espanto: não acompanham seus paes ao cemiterio,--espanto:
as varinas carregam-se de oiro,--espanto: vae muita gente aos
bastidores de S. Carlos,--espanto: dizemos um copo d'agua e não un
verre d'eau,--espanto: estamos a uma latitude e a uma longitude
differentes de Paris,--espanto: as nossas pulgas mordem,--espanto: o
nariz do sr. Minhava é enorme,--espanto: pomme de terre, chama-se
batatas,--espanto: uma precieuse ridicule é uma tola... espanto!
Espanto, espanto, sempre espanto!
Porque
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