A penalidade na India segundo o Código de Manu | Page 4

António Cândido de Figueiredo
Varuná; se a terra floresce e frutifica, adora
Prithivi; se o fôgo lhe aquece os membros, adora Agni, e o poeta dos
Vedas consagra-lhe cânticos de reconhecimento[21].
[21] Rig-Veda, II, 6.
Os indios tributam ao fôgo uma adoração especial; e por isso a prova
do fôgo sobresái entre os ordálios da legislação indiana.
Além da prova do fôgo, a India exibe mais oito espécies destas provas:
a balança, a água, o veneno, o arrôz, a água em que se lavou um ídolo,
o azeite a fervêr, o ferro em brasa, e a imagem de ferro e prata[22].
[22] Hastings, Asiatic researches, I, (Michelet, loc. cit.)
Se percorrermos todo o Digest of hindu law, poderemos acrescentar
áquella enumeração de Hastings o chumbo derretido.
Não sendo porém propósito nosso percorrêr toda a legislação indiana, e
soccorrendo-nos apenas ao código de Manu, especializaremos a prova
do fôgo.
No famoso poema épico, o Ramayana, muito anteriôr ao código de
Manu; naquêlle grande e dulcíssimo poema que Michelet chamou um
mar de leite[23], já se nos depara a prova do fôgo. Na última parte do
poema, o herói, havendo libertado sua esposa Sitá, duvída de que ella
lhe guardasse fidelidade, emquanto estêve nas mãos do roubadôr. Sitá,
desfeita em lágrimas, faz acendêr uma pira, invoca a protecção do fôgo
contra as accusações de seu esposo, e precipita-se nas chammas; mas o
fôgo, o testemunho incorruptível do mundo como lhe chama o Homero
indiano, comprovou a sua innocencia, porque não molestou sequer a
esposa de Ramá.
[23] Bible de l'humanité, pag. 3
O código de Manu reconhece esta prova judicial; e sôbre ella, e sôbre a

da água, preceitua o seguinte:
«O juíz, segundo a gravidade do caso, mandará áquêlle, cuja veracidade
quer conhecêr, que tome lume nas mãos; ou mandá-lo-á mergulhar na
água...
«Aquêlle, a quem o fôgo não queima, a quem a água não afoga, e a
quem não succede logo sinistro, deve sêr reconhecido como verídico
em seu juramento.
«... O fôgo é a prova da culpabilidade e da innocencia de todos os
homens[24].»
[24] VIII, 114-116.

*VIII*
Falemos agora dos delictos e das penas, consignados no código de
Manu.
Segundo o código, os crimes mais graves e assim declarados pelos
legisladôres, são:
Matar um bráhmane;
Roubar o dinheiro de um brâhmane;
Bebêr licores fermentados;
Commettêr adultêrio com a mulher de seu pai natural ou espiritual;
E ainda quaesquer relações com o homem, que tais crimes praticou[25].
[25] XI, 54.
Alem dêstes crimes, são punidos pelo código:
Qualquer assassinio;

O roubo;
A injúria e a calúnia:
O falso juramento;
O estupro;
A negação de dívida ou de objecto depositado;
Dar asilo e alimento a ladrões;
A demolição de tanques, edificios e pontes;
Falsificação de cereais;
E outros delitos secundários.
* * * * *
Entre as penas, applicadas aos differentes delitos, devemos
especializar:
A pena de morte;
O confisco;
A amputação dos membros;
A multa pecuniária;
A prisão;
O exilio;
A escalvação;
O azeito a fervêr, etc.
A pena capital applica-se, por exemplo, áquêlle quo roubou a pessoas

de boa familia, principalmente se o roubo é de mulheres ou jóias de
grande prêço[26].
[26] VIII, 323.
O confisco applica-se, entre outros casos, aos ministros que,
encarregados dos negócios públicos, danificam os interesses, cuja
manutenção lhes é confiada[27].
[27] IX, 231.
O exílio aos que juram falso[28], o aos adúlteros[29].
[28] VIII, 123, 219.
[29] VIII, 352.
A multa pecuniária ao insulto em geral, e aos factos de somenos
importância[30].
[30] VIII, 267-271, 332, etc.
A mutilação de membros ao ladrão que dêlles se serviu para fazêr
mal[31]; e a outros criminosos[32].
[31] VIII, 334.
[32] VIII 325, etc.
O azeite a fervêr lança-se nos ouvidos e na bôca do que ousou
admoestar um brâhmane sobre o cumprimento dos seus deveres[33].
[33] VIII, 272.

*IX*
Conforme já indicámos, observa-se que, na penalidade indiana, as
penas não são tão graduadas pelos delitos, como pela classe dos

delinquentes e daquêlles que são lesados.
Assim:
Na petição de juros, o credôr poderá exigir de um bráhmane dois por
cento ao mês, de um kchatriá três por cento, de um vaysiá quatro, e de
um çudra cinco[34].
[34] VIII, 142.
Um kchatriá, se injuriou um bráhmane, pagará a multa de 100
panás[35]; um vaysiá a multa de 150 ou 200 panás; e um çudra terá
pena corporal.
[35] Paná, moeda de cobre. A maior multa eleva-se a 1:000 panás.
(VIII, 138).
Um bráhmane terá apenas a multa de 50 panás, por ultrajar um homem
da classe militar; se o ultraje fôr contra um homem da classe
commerciante, pagará 25; e 12, se fôr contra um çudra[36].
[36] VIII, 267 e 268.
Se um çudra injuriar gravemente um dwidja[37], ser-lhe-á cortada a
língua, ou introduzido na bôca um ferro em brasa, porque é a mais
desprezível criatura humana[38].
[37] Dwidja é
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