A penalidade na India segundo o Código de Manu | Page 5

António Cândido de Figueiredo
qualquer homem das três primeiras classes, que foi
investido do cordão sagrado.
[38] VIII, 270 e 271.
Se entre um bráhmane e um kchatriá houve insultos recíprocos, o
brâhmane será condenado á pena ínfima, e o kchatriá á pena média[39].
[39] VIII, 276.
Para comprovar ainda o facto de desigualdade legal na applicação das
penas, citaremos finalmente o texto seguinte:

«Um bráhmane adúltero é comdenado a uma tosquia ou escalvação
ignominiosa, nos mesmos casos em que um homem das outras classes é
punido com a morte[40].
[40] VIII, 379.

*X*
Não obstante a desigualdade perante a lei, vício capital na penalidade
indiana, entrevê-se, de espaço a espaço, no código de Manu, um clarão
do justiça, que não illuminou por certo todos os códigos menos antigos.
E, com effeito, o legisladôr indiano ordena que o rei não deixe de punir
seu proprio pai, seu mestre, seu amigo, sua mãi, sua esposa, seu filho,
se elles não cumprirem seus devêres[41].
[41] VII, 17,18, 30.
Ácerca da naturêza da pena, há no código de Manu ideias que
ressumbram uns longes de alta filosofia e de profunda moralidade:
«A punição é a justiça,--diz admiravelmente o código;--a punição é um
rei cheio de energia, e um sábio admnistradôr da lei.
«A punição governa e protege o gênero humano; a punição véla,
emquanto todos dormem.
«A punição não póde sêr infligida convenientemente por um rei que
não tem bons conselheiros, que é imbecil, ambicioso, cuja intelligencia
se não aperfeiçoou no estudo das leis, e que é dado aos prazêres dos
sentidos[42].
[42] Esprit des lois, chap. XIII.

*XI*

Consignada perfunctoriamente a lêtra e o espírito do Manava Dharma
Sastra, com referência á penalidade, desta ligeira exposição resalta a
virtude, o defeito e a importancia daquêlle sistema penal; e ainda a
convicção de que a penalidade indiana é, nalguns pontos, mais
plausível que a penalidade dos povos europeus, em épocas que nos são
mais próximas.
Nota-se na penalidade indiana a desigualdade, e talvez a arbitrariedade;
mas, até os fins do século passado, qual foi na Europa a sociedade, em
que as leis se libertaram daquêlle vício?
Por outro lado: as penas não eram só applicadas com mais barbaridade,
do que ao depois o foram, na vigência do código visigótico, das
ordenanças da dinastia carolina, em França, e da justiça ecclesiástica
em todo o sul da Europa.
Mais ainda: não se vê consignada no código de Manu a ideia de
vingança; em todos os códigos da Europa, até o seculo XVIII, sabemos
que a pena procedia da ideia de vingança. O termo vindicta
consubstanciou-se com a legislação penal da Europa; e, quando os
legisladôres viram que era tempo de afastar da penalidade a ideia de
vingança particular, fizeram que a pena derivasse da vindicta pública...
Nos proprios tribunais ecclesiásticos, o ministério público era exercido
por um agente especial, que se chamava vindex religionis (vingadôr da
religião).
Para que desapparecesse esta falsa ideia sôbre a origem das penas, foi
mister que a sciencia e a consciencia erguessem a vóz da justiça; que
Montesquieu protestasse contra a barbaridade das penas[43]; que da
Italia se levantasse o grito eterno de César Beccária; e que por fim os
Estados Gerais de 1789 escrevessem na primeira folha da grande
revolução:
«A lei é a mesma para todos, premiando ou punindo.
«Ninguem é prêso, senão nos casos fixados na lei.

«A lei só estabelece penas estricta e evidentemente necessárias; e
ninguém é punido, senão em virtude da lei estabelecida e promulgada
anteriormente[44].»
[43] O marquez de Beccária publicou em Monaco (1764) o seu Tratado
das penas, que em dois annos teve seis edições.
[44] Déclaration des droits de l'homme, art. 6.º, 7.º e 8.º
* * * * *
O direito penal é uma sciência progressiva. Lentamente embora, o
direito penal moderno vai accusando salutares progressos; e, se não é
permittido aspirar á realização das utopias de Girardin[45], é licito
confiar em que o progresso arrastará comsigo a sciência penal; e em
que os princípios da justiça social e as noções superiôres do direito hão
de ir allumiando as páginas de todos os códigos, radicando-se cada vêz
mais na consciencia universal.
[45] Le droit de punir.
Lisboa, 1892, maio.
CANDIDO DE FIGUEIREDO.

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