criança, um homem só, o ébrio, o dôido, o esfomeado e o
sedento, o apaixonado, o colérico, o ladrão, não podem sêr chamados a
depôr em cáusas judiciárias[12].
[12] VIII, 65-67.
Mulheres só podem depôr a favôr de mulheres. E, diga-se de passagem,
não deveremos estranhar muito esta disposição da lei indiana, visto
como em pleno século XIX, o código civil português não permitte que
as mulheres sejam testemunhas em testamentos[13].
[13] Cod. civ. port., art. 1966, n.º 2.
Os çudras podem depôr a favôr dos çudras; mas, quando se trata do um
facto succedido em logar occulto, como num bosque, ou quando se
trata de um assassínio, póde depôr quem quer que presenceie o facto.
Nêstes casos, á míngua de melhores testemunhas, póde acceitar-se até o
depoimento de uma mulher, de uma criança, de um velho, de um
discipulo, de um parente, de um escravo ou de um serviçal[14].
[14] VIII, 68-70.
Quando as testemunhas estão reunidas na sala da audiencia, em
presença do demandante e do defendente, ordena o código que o juíz as
inquira, exortando-as brandamente, desta fórma:
«Declarai francamente tudo quanto sabêis sôbre esta matéria, porque se
pretende aqui o vosso testemunho[15].»
[15] VIII, 79 e 80.
O legisladôr disserta largamente sôbre a obrigação moral, que ás
testemunhas cabe, de dizerem a verdade, e sôbre a responsabilidade e
os castigos que importa comsigo um falso testemunho.
*VI*
Outro meio de prova judicial é o juramento, que o juíz defere ás partes
litigantes, quando não há testemunhas, que possam depôr sôbre o facto
controvertido[16].
[16] VIII, 109.
O juíz fará jurar o bráhmane pela sua veracidade; o kchatriá pelos seus
cavallos, pelos seus elefantes e pelas suas armas; o vaysiá pelos seus
rebanhos, pelas suas searas e pelo seu oiro; os çudras por todos os
crimes[17].
[17] VIII, 113.
*VII*
Falaremos agora de outra prova judicial, muito conhecida e muito
usada na Europa da idade média, e que innegavelmente foi trazida para
o occidente pela corrente das emigrações arianas.
Alludimos aos chamados juízos de Deus.
Algumas espécies destas provas absurdas e talvez ímpias, deixaram
vestígios no Japão, na Africa occidental, na Escandinávia, na Grécia e
na Irlanda. Prova-o Michelet, fundado em testemunhos
irrefragáveis[18].
[18] Origines du droit, chap. VII.
Os juízos de Deus acham-se consignados nas leis dos bárbaros, foram
sanccionados e regulados pela legislação dos concilios visigóticos, e
podemos talvez dizêr que eram ainda invocados, quando já alvorecia a
nacionalidade portuguêsa. Em França puseram-n'os em vigôr as
Capitulares de Carlos Magno, e foram ao depois confirmados na
legislação do tempo de Carlos o Calvo[19].
[19] Desmaze, Supplices, prisons et grace en France, chap. II, III.
A ignorancia que na idade média fez da instrucção um privilégio da
classe sacerdotal, deixou que os juízos de Deus maculassem mais uma
página da história da humanidade. Intendendo-se que o homem,
creatura frágil, podia faltar á verdade, intendeu-se que a naturêza, que
no panteismo oriental so consubstancía com a divindade, essa não
podia mentir.
E assim, quando o juíz pretendia uma prova decisiva, consultava-se a
naturêza e tentava-se a Deus, pedindo-lhe uma revelação: sujeitava-se o
réu á prova do fôgo, da água fervente, do ferro em brasa, do veneno, da
cruz; e, se elle não saísse illeso destas provas bárbaras, é porque estava
realmente criminoso. Se elle estivesse innocente, Deus havia de
inverter as leis da naturêza, e fazêr que o fôgo ou os demais supplicios
não arrancassem um gemido, nem deixassem um vestigio na carne da
pobre víctima.
Para todas essas provas, havia formulários em latim, que podem ver-se
minuciosamente na collecção de Baluze, tom. II, col. 642 e seg. Por
agora, reproduziremos apenas uma dessas fórmulas, em linguagem
nossa:
«O culpado tomará na presença do todos o ferro em brasa, e o
conduzirá pelo espaço de nove pés; liguem-se-lhe as mãos ao ferro em
brasa, durante três noites, e, se ao depois apparecer illeso, dêm-se
graças a Deus; mas, se o ferro em brasa tiver escaldado, e se apparecer
rubôr e inflammação nos vestigios do ferro, seja julgado criminoso e
immundo[20].»
[20] Baluze, tom. II, col. 644.
* * * * *
Pois bem. Este símbolo, que nos é tão conhecido pela história da
penalidade medieval, encadeia-se com quási todos os símbolos
jurídicos através dos tempos e dos povos, e vai entroncar nas
instituições da India.
E só da India é que podiam derivar os juízos de Deus. Lá, no berço das
sociedades, a humanidade, ainda criança, sente-se subjugada pelo
império da naturêza. O homem, desprendendo-se do nada, ergue os
olhos e dobra os joelhos, adorando a natureza-mãi. Se os arreboes
purpureiam os horisontes, adora Mitrá; se o astro do dia se levanta,
adora Suryá; se os ventos agitam a floresta, adora os Maruts; se a
tempestade estrondeia nos céus, adora Indrá; se os riachos lhe
serpenteiam aos pés, adora
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