A fundação da monarchia portugueza | Page 8

Antonio Vasconcellos
remotissimos.
A origem d'este nome está hoje bem averiguada. Na margem esquerda
do Douro, onde hoje se chama Gaia, havia uma povoação com o nome
de Cale. Pequena ou grande, era a unica povoação da entrada do rio, e
por isso o porto se chamou Portus Cale, porto de Cale. Querem alguns
que a terra tivesse sido povoada por gaulezes que deram ao porto o
nome de Portus Gallorum, ou Portus Galliæ. Eu não creio que esse
intrincado ponto mereça a pena de ser resolvido.
A verdade é que o nome de Cale figura no itinerario de Antonino, que a
designação Portucale data do seculo V, e que a aldeia de Gaia ainda em
912 se chamava assim. O territorio visinho e dependente de Portucale
foi-lhe a pouco e pouco tomando o nome, deixando ao burgo primitivo
a denominação de Cale, que tambem insensivelmente se converteu na
de Gaia.
Os christãos aproveitaram a inexpugnavel posição fronteira, e
fortificaram-a. Desde então houve na margem direita o Portucale
Castrum novum, e na outra o Portucale Castrum antiquum, ou por
outra fortaleza velha, e fortaleza nova, ambas com o nome de Portucale.
De nome de cidadella passou a designação de districto, d'ahi a condado,
e mais tarde a reino, segundo a conquista christã se alargou mais, e á
medida que a administração e governo deram a esse tracto de territorio
alguma homogeneidade.

Deixemos pois o nome latino de lusitanos, mesmo com o risco de
desagradarmos a tres ou quatro idolatras das tradicções romanas, e
fiquemos portucalenses, já que d'ahi nos transformámos em
portuguezes. É melhor guardar o nome que é feitura nossa, do que
andarmos a torcer a geographia e a historia para amontoar fabula sobre
fabula.

IV
O CONDE BORGONHEZ
O conde D. Henrique não se entreteve por muito tempo nos cuidados
do governo. Em 1103 estava na Palestina, d'onde o encontrâmos de
volta dois annos depois, e na côrte do sogro em 1106.
Não se sabe quaes foram os motivos que resolveram D. Henrique a
deixar o seu governo, e a separar-se da esposa com quem havia pouco
se casára, para se associar ao empenho dos cruzados, em resgatar o
tumulo do Redemptor.
As causas d'esta determinação deviam ser poderosas: nós não as
conhecemos. Dos hespanhoes só alguns cavalleiros isolados foram ás
primeiras cruzadas. Que melhor e mais santa guerra podia achar na
Palestina, quem tinha á porta de casa os inimigos da cruz? O proprio
pontifice Paschoal II veiu a prohibir aos cavalleiros hespanhoes, que se
alistassem entre os cruzados, e em Italia obrigavam-os a embarcar de
novo para Hespanha.
O conde D. Henrique obedeceu talvez á idéa geral de sacrificar todos os
interesses ás crenças e deveres religiosos, e porventura a instigações e
convite dos seus parentes de França, de cujo auxilio elle porventura
contava tirar proveito mais tarde. Suppõem-se que o conde partira na
armada genoveza que em 1104 prestou auxilio ao conde de Flandres
Balduino na conquista de Ptolemaida.
De volta do oriente o conde borgonhez entregou-se inteiramente á
governação dos seus estados, empenhando-se devéras em fortalecer o

proprio poder, acrescentando o territorio nas guerras contra os arabes, a
preparando-se para acabar com qualquer especie de supremacia
estrangeira.
Estes intuitos deviam mais do que uma vez occasionar guerra no norte
com os leoneses, e no sul com os musulmanos. Para aquella a base de
operações era Guimarães, côrte e residencia do D. Henrique e de D.
Tareja. Para a guerra do sul a base de operações era Coimbra.
De Coimbra deviam partir as expedições destinadas a libertar de novo
os territorios do sul, e ali sabia-se, melhor do que em qualquer outra
parte, a occasião em que mais desprevenidos andavam os infieis, e em
que se podia contar com um triumpho menos disputado.
Em Guimarães agitavam-se questões de natureza mais complicada;
questões diplomaticas de successão ao throno de Affonso VI, de
allianças estrangeiras, de independencia do territorio separado da
monarchia de Leão, e de tudo quanto podia favorecer os planos
ambiciosos de Henrique de Borgonha.
Os dois primos Raymundo e Henrique fizeram entre si, em 1106 ou no
começo de 1107, um tratado secreto ácerca da repartição dos estados do
sogro, então ainda vivo; porém, Deus que muitas vezes zomba dos
melhores calculos dos homens, permittiu que Raymundo morresse em
1107, sem herdar de Affonso VI, que todavia lhe não sobreviveu muito
tempo.
O convenio entre os dois condes tinha por fim evitar que a coroa de
Affonso VI passasse para o infante D. Sancho filho de Zaida Ibn-Abed,
que alguns tratavam como esposa do imperador. A filha do emir de
Sevilha não podia ser mulher de Affonso VI, então casado com a rainha
D. Constança, mas o amor de pae para com o infante, seu unico filho
varão, inspirava receios aos maridos das duas princezas Urraca e
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