dominios conquistados aos infieis. Estes fidalgos eram pela
maior parte francezes; não só pela proximidade das duas nações, mas
porque de França viera a rainha D. Constança, esposa do imperador
Affonso VI, e filha da illustre casa de Borgonha.
Dois parentes da rainha avultavam na côrte mais do que os outros
cavalleiros. Eram Raymundo, filho do conde Guilherme de Borgonha, e
Henrique, filho de Henrique de Borgonha e de sua mulher Sybilla,
prima co-irmã de Raymundo. Henrique por seu avô Roberto, o velho,
duque de Borgonha, era descendente de Roberto, o pio, rei de França, e
de Hugo Capeto, e por consequencia sobrinho de Henrique I, rei de
França. Estes dois fidalgos borgonheses deviam privar com a rainha
com quem tinham parentesco proximo, e com o soberano a cujo serviço
andavam.
Com effeito Affonso VI deu a Raymundo sua filha Urraca, com o
governo de Galliza e da terra portucalense, e Henrique casou com D.
Tareja, filha natural do rei e de Ximena Nunes ou Muniones, obtendo
com esta alliança o governo do districto de Braga sob o commando de
Raymundo. O casamento foi celebrado antes do anno de 1095.
Não chegaram ao nosso tempo documentos ácerca das condições com
que se concluiu o casamento de Henrique de Borgonha com D. Tareja,
porém sabe-se que em 1097 já o territorio que se estende desde o rio
Minho até ao Tejo era governado por D. Henrique, sem opposição
alguma do conde Raymundo de Galliza. O marido de D. Tareja possuia
tambem todos os bens pertencentes á corôa de Leão, que estavam
situados dentro dos limites designados. Devia ser concessão de Affonso
VI.
O territorio portucalense coube a Henrique de Borgonha como dote de
sua mulher? Foi-lhe dado como governo ou como estado
expressamente separado da corôa de Leão em favor dos noivos? Houve
desde logo conloio entre Henrique e Raymundo para assegurar a plena
soberania de ambos, sob a apparencia de sujeição ao sogro commum?
A extensão das terras conquistadas aos arabes contribuiu para firmar
mais a separação, e para augmentar a importancia do conde D.
Henrique? Estas questões pedem larga escriptura, e fazem pouco ao
assumpto d'este livro. O facto é que no fim do XI seculo a terra
portucalense obedecia a D. Henrique, sem que todavia este principe
deixasse de reconhecer a supremacia do rei de Leão.
O conde borgonhez oriundo de uma das mais poderosas casas da
Europa, sobrinho do rei de França, genro do imperador, e primo do
conde de Galliza, com quem o ligavam tambem os laços da affinidade,
reunia em si todos os requisitos necessarios para obter, dentro em breve,
preponderancia consideravel em todos os negocios da peninsula
hespanhola. Conservar e desenvolver essa influencia, dependia só dos
dotes pessoaes do principe.
A auctoridade moral do conde D. Henrique na côrte de D. Affonso VI
de certo se baseava principalmente n'estas circumstancias, pois que a
qualidade illegitima de D. Tareja não impoz ao principe borgonhez
nenhuma inferioridade que lhe diminuisse o poder ou que restringisse
as suas pertenções ambiciosas.
III
A TERRA PORTUCALENSE
A terra chamada portucalense era conhecida com este nome desde o
meado do seculo XI. Tinha por limites ao norte o rio Minho, e ao sul o
Mondego, comquanto as armas christãs já tivessem por mais do que
uma vez chegado ao Tejo, e mesmo tomado Lisboa, como fica dito.
Lamego, Vizeu e Ceia eram as terras mais consideraveis da fronteira
oriental. Ao sueste acabava o territorio na serra da Estrella, e ao oeste
no oceano.
O districto de Coimbra ou condado colimbriense, começava no Douro,
e acabava no Mondego. Um mosarabe da Beira, chamado Sesnando,
deixára o serviço do emir de Sevilha Ibn-Abed, e fôra propôr ao rei
Fernando Magno a conquista d'este territorio. A tentativa foi coroada
de exito feliz, e Sesnando recebeu do soberano leonez o governo d'esta
nova provincia, acrescentada com a terra portucalense ao sul do Douro.
Esta região desde o Douro até ao Mondego, não era a Lusitania de
Strabão, a qual chegava até ao mar no norte e no occidente, e ao Tejo
pelo lado do sul; nem tão pouco se póde confundir com a Lusitania do
imperador Augusto, divisão geographica limitada ao norte pelo Douro,
e ao sul pelo Guadiana. Era uma região conquistada, reunida e disposta
pelos incansaveis pelejadores christãos.
Estavamos tão acostumados a dar a Portugal o nome de Lusitania, e a
tomarmos a denominação latina de lusitanos, que chegamos a
julgar-nos decaídos do esplendor genealogico da nossa raça, quando o
sr. Alexandre Herculano escreveu que só no seculo XV tinhamos
começado a usurpar essas qualificações. Parece que foi em 1481, diante
da santidade de Sixto IV, que o bispo de Evora D. Garcia de Menezes
deu pela primeira vez o nome de lusitanos aos habitantes de Portugal.
Até então foramos sempre portucalenses desde tempos
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