Tareja.
Este temor não agitava sómente os animos de Raymundo e de Henrique:
tambem lá de longe o celebre Hugo, abbade de Cluni, e parente dos
condes, meditava n'este caso, e entrava no trama, se o não promovera
elle proprio. É certo que o tratado foi jurado pelos dois primos e
concunhados nas mãos de Dalmacio Veget, agente de Hugo.
O imperador morreu em Toledo no mez de junho de 1109, pouco
depois de ter perdido seu filho e herdeiro D. Sancho, que elle mandára
com o conde Gomes de Cabra a soccorrer o castello de Uclés.
O tratado entre os dois primos não teve execução. Urraca, viuva de
Raymundo, succedeu, segundo o testamento de Affonso VI, na corôa
de Leão e de Castella, e deixando em Galliza seu filho D. Affonso
entregue á tutela dos condes de Trava, casou em segundas nupcias com
Affonso I rei de Aragão.
Este segundo casamento foi celebrado mais a exigencias dos barões
castelhanos e leonezes, do que por vontade de D. Urraca. Queriam um
homem para commanda-los, e que fosse pelo seu esforço e valentia
digno de tal encargo. Affonso de Aragão era já então nomeado como
batalhador. Por essa qualidade o escolheram.
Mas a pobre rainha não pôde accommodar-se ao caracter aspero e
violento do aragonez, D'ahi provieram muitas occasiões de guerra e de
desordem e d'ahi tambem começou a surgir a possibilidade de Portugal
vir a ser um estado independente, e separado para sempre da corôa
leoneza.
Entretanto o conde Henrique não estava ocioso. Apenas soube da morte
do sogro com quem já andava mal avindo, partiu para França a reunir
ali os meios necessarios para se apoderar dos estados de Affonso VI, ou
para colher o maior proveito possivel das alterações e dificuldades, que
necessariamente deviam seguir a morte do imperador.
Esta viagem não teve bom exito. D. Henrique foi preso em França por
motivos que a historia se esqueceu de registrar, fugiu da prisão, e
recolheu a Portugal pelo Aragão cujo rei já separado de D. Urraca se
alliou facilmente com elle.
Desde o seu regresso de França, que foi em 1111, o conde Henrique
mudou de politica, provavelmente porque a falta do auxilio esperado
lhe impunha a obrigação de ser mais circumspecto, e de certo tambem
porque a morte de Raymundo, e o casamento de D. Urraca tinham dado
aos negocios da peninsula uma direcção muito differente.
A rainha D. Urraca pouco depois de casada, separou-se do segundo
marido Affonso[NT] rei de Aragão, e passou o resto de seus dias em
reconciliações e separações successivas, sempre precedidas,
acompanhadas e seguidas dos disturbios e agitações que resultam das
discordias internas das familias soberanas, a cujo exemplo se compõem
os costumes dos povos.
Esta situação das monarchias leoneza, castelhana e aragoneza, que o
casamento de D. Urraca e de D. Affonso tinha unido, e que o caracter
dos dois conjuges separava a cada instante, aggravava-se com
desintelligencias repetidas entre Castella e Galliza. Os fidalgos gallegos,
sob a direcção do conde de Trava, tutor do joven filho de Raymundo,
complicaram frequentes vezes as difficuldades da corôa de Leão e
Castella, querendo realisar a separação decretada no testamento do
imperador em proveito do principe Affonso Raymundes.
D. Henrique soube valer-se habilmente das desavenças alheias,
alliando-se ora com D. Urraca, ora com D. Affonso de Aragão, e
mesmo com os magnates de Galliza. Desinteressado dessas questões, o
seu principal fim era prolonga-las, collocando-se do lado de quem
menos probabilidades tinha de resistir ao poder do outro. Assim, o
vencedor de hoje podia facilmente ser o vencido de ámanhã, e nenhum
dos belligerantes ficaria nunca tão poderoso, que se lembrasse de
attentar contra a soberania de Henrique.
Entretanto brotavam e florescíam na terra portucalense os elementos de
independencia, que mais tarde deviam produzir a formação da
nacionalidade portugueza. A cada guerra civil a alliança de Henrique
era solicitada com empenho e ninguem ousava regatear-lhe as
concessões, ou pôr cobro ás demasias do seu poder. A sua supremacia
era incontestavel, reconheciam agora uns, logo outros, e a final todos.
N'aquellas epochas de preponderancia feudal e militar, a politica sagaz
de D. Henrique não dependia só da sua ambição e do seu espirito
elevado. Era indispensavel que os cavalleiros portuguezes seguissem de
boa vontade as modificações da politica do conde borgonhez e de D.
Tareja, e que sacrificassem a um principio geral as affeições e os
interesses que podessem liga-los a D. Urraca, a D. Affonso, ou aos
fidalgos gallegos.
Essa necessidade reconhecida por todos dominava o animo dos
portuguezes. Unia-os o desejo da propria independencia, sentimento
especial da nossa raça, que o decurso de tantos seculos ainda não pôde
destruir, nem a unidade da civilisação moderna conseguiu modificar.
Os portuguezes do começo do seculo XII seguiram o conde Henrique
em todas as suas mudanças politicas e diplomaticas com
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