que
o doente se sente naturalmente levado a pensar que inimigos occultos,
interessados em perdel-o, se reunem e procuram fazel-o soffrer»[1].
[1] Legrand du Saulle, Obr. cit., pag. 17.
Como Lasègue, Legrand du Saulle dá na symptomatologia da doença
um logar preponderante ás allucinações auditivas, precedidas
frequentemente de illusões do mesmo sentido. «O doente, escreve o
auctor, começa por dar uma falsa significação aos ruidos reaes que
escuta: uma porta que se abre, pessoas que fallam na rua, uma palavra
pronunciada ao pé d'elle, os passos de alguem, tudo é materia do delirio.
As verdadeiras allucinações só começam, em geral, mais tarde e n'uma
epocha variavel»[2].
[2] Legrand du Saulle, Obr. cit., pag. 43.
Como Lasègue, Legrand du Saulle admitte um periodo de declinação
na doença, que, sendo, em regra, incuravel, póde terminar pela cura
n'uma quinta parte dos casos. Na etiologia, Legrand du Saulle constata,
como Lasègue, que a doença é mais frequente nas mulheres e se realisa
preferentemente na epocha por excellencia das grandes luctas da vida.
Algumas considerações que faz sobre a hereditariedade, o onanismo e
as perseguições infantis são de um caracter vago. Como se vê, em tudo
quanto póde servir para caracterisar como especie o delirio de
perseguições--na symptomatologia, na marcha, na etiologia, Legrand
du Saulle não faz senão seguir a memoria de Lasègue.
Vamos vêr que n'um ponto de maxima importancia, não tratado pelo
eminente professor da faculdade de Paris no seu trabalho de 1852,
Legrand du Saulle acompanha a memoria de Foville. Refiro-me á
passagem do delirio de perseguições ao de grandezas, explicada, como
vimos, por Legrand du Saulle acceita esta mesma pathogenia. «Depois,
diz elle, de ter soffrido tantas hostilidades da parte de implacaveis
inimigos, depois de ter sido victima de tantas intervenções devidas á
magia ou ao electro-magnetismo, o perseguido recolhe-se por vezes e
pensa: Como podem em pleno seculo XIX produzir-se factos d'esta
natureza? É preciso admittir no fundo de tudo isto uma energica
vontade superior, a de um alto personagem, a de um principe ou, talvez,
de um rei! Deve ter sido necessaria, com effeito, para explicar o meu
caso uma auctoridade verdadeira, que só póde existir nas mãos de
millionarios, de ministros e de imperadores: quem ordenou tudo é, pois,
um grande senhor ou um notavel personagem. Um outro perseguido
pensará: Armam-me redes, mas eu evito-as; expõem-me a coalisões
formidaveis, mas eu saio-me bem d'ellas; attentam contra a minha vida,
mas eu resisto; alguem, pois, de um alto poder vela por mim e me
protege; esse alguem é o chefe do estado. Eis, a partir d'aqui, toda uma
ordem nova de idéas imprimindo uma outra direcção ás concepções
delirantes e ás allucinações. O perseguido não cessa desde então de
fallar em ministros, em familias reinantes, na côrte pontifical,
desconhecendo o caracter real das pesssoas que o cercam e affirmando
que Napoleão lhe envia mensagens, que Trochu o chamou, que Thiers
vae recebel-o, que tal ou tal princesa vem visital-o. N'uma palavra,
encontramo-nos em presença de idéas de grandeza pathologicamente
juxtapostas, porque as perseguições não cessaram, os inimigos existem
ainda»[1].
[1] Legrand du Saulle, Obr. cit., pag. 84.
«Acabamos de constatar, continua Legrand du Saulle, erros grosseiros
sobre a personalidade dos outros; pois vamos vêr que uma nova
transformação se opera agora e que erros mais grosseiros ainda vão
dar-se d'esta vez sobre a personalidade de perseguido. Sigamos um
pouco o raciocinio do doente: As operações dos meus inimigos, pensa
elle, são tão desleaes como persistentes e perigosas; os meus inimigos
são infatigaveis e poderosos; mas que interesse podem elles ter em me
mortificarem d'este modo, a mim, homem ignorado, obscuro ou
collocado n'uma situação modesta? O contraste entre os perseguidores
e a victima é dos mais notaveis. Quem sou eu com effeito? Talvez um
ser menos apagado do que se pensa, mais importante do que se imagina,
mais temivel do que se suppõe. E nem póde deixar de ser assim.
Enchem-me de humilhações odiosas, dirigem contra mim os mais
tenebrosos attentados; ha, pois, um interesse em fazel-o. Esse interesse
parte de millionarios, duques, principes ou imperadores, e é, portanto,
dos mais consideraveis. Mas então faço eu sombra a alguem e esse
alguem roubou-me necessariamente o meu nome, o meu titulo, a minha
fortuna, o meu logar social, a minha corôa. Eu não sou, portanto, o
homem humilde sob cuja mascara vivi até hoje: fui mysteriosamente
posto de lado, iniquamente esbulhado; o nome de que uso não é o meu,
os que teem feito de meus paes não são da minha familia; eu sou o neto
de Luiz XVI ou o filho de Napoleão, sou o duque de Orleans ou
chamo-me D. Carlos»[2].
[2] Legrand du Saulle, Obr. cit., pag. 85.
Para não deixar de seguir passo a passo Foville, que, como vimos,
notara a relativa frequencia do delirio ambicioso nos

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