A Paranoia | Page 9

Julio de Mattos
perseguidos filhos
naturaes, Legrand du Saulle accrescenta: «Se o perseguido não tem um
acto de nascimento regular, se alguma vez soffreu pelo facto de uma
situação indecisa, de uma paternidade não confessada ou de uma
educação mysteriosa, se o seu orgulho foi torturado ou lesada a sua
fortuna, com que perniciosos elementos não crescerá o seu delirio, com
que apparencias de verosimilhanças não fallará elle a todos da sua
imaginaria fortuna, do seu nascimento illustre?!»[1]
[1] Legrand du Saulle, Obr. cit., pag. 86.
Como Foville e Morel, Legrand du Saulle refere casos em que no
delirio de perseguições se observam concepções hypocondriacas; estas,
porém, como as de grandeza, não constituem para elle uma phase
evolutiva, mas apenas um acompanhamento ou complicação da doença
de Lasègue.
Uma parte nova e valiosa do trabalho de Legrand du Saulle é a que se
refere ao diagnostico differencial entre o delirio de perseguições
idiopathico e o que, como syndroma, apparece na demencia senil, na
paralysia geral, no alcoolismo subagudo e nas intoxicações pelo
chumbo e pelo sulfureto de carbone.
Não terminaremos esta rapida analyse do livro de Legrand du Saulle
sem notar que elle soube pôr em relevo dois factos interessantes,
ulteriormente notados por quantos se teem occupado d'este assumpto: a
existencia em muitos perseguidos de allucinações auditivas bilateraes

de caracter differente--vozes benevolas d'um lado, vozes hostis do
outro, e a tendencia d'estes doentes á formação de neologismos e de um
incomprehensivel vocabulario privativo de cada um.
* * * * *
Até aqui os trabalhos francezes. Vejamos agora, retrocedendo um
pouco na ordem dos tempos, de que maneira os psychiatras allemães
comprehenderam os delirios systematisados.
Foi Griesinger o primeiro entre elles a occupar-se d'este assumpto no
seu Tratado de Doenças Mentaes cuja apparição remonta a 1845, mas
que só vinte annos depois veio a ser conhecido em França pela
traducção Doumic. N'esse livro, por muitos titulos notavel, descreve o
eminente professor de Zurich, sob a denominação de Verrücktheit, os
delirios parciaes que alguns annos mais tarde Lasègue e Foville haviam
de elevar, dando-lhes nomes privativos, á cathegoria de especies em
nosographia mental. Se bem que abreviada e n'um ou outro ponto
confusa, a descripção de Griesinger abrange todos os pontos essenciaes
da symptomatologia dos perseguidos e megalomanos, como facilmente
se ajuizará pelas transcripções que seguem.
Referindo se ás concepções que são o nucleo mesmo do delirio e o seu
mais apparente symptoma, Griesinger escreve: «São umas vezes idéas
activas, exaltadas, maniacas; o doente occupa uma posição
elevadissima e tem um grande poder: é Deus, as tres pessoas da
Santissima Trindade, reformador do Estado, rei, um grande sabio, um
propheta, um enviado de Deus ou descobriu o movimento perpetuo, é o
dominador de toda a natureza e conhece os elementos de todas as
coisas, etc. Outras vezes são idéas passivas: os doentes crêem-se
lesados, dominados, submettidos ao poder d'outrem; julgam-se
perseguidos, victimas de tramas hostis; mysteriosos inimigos
atormentam-nos pela electricidade, os maçonicos fazem lhes mal, são
possessos do diabo, estão condemnados a supplicios eternos, e
roubados nos seus bens mais caros, etc.»[1]
[1] Griesinger, Traité des maladies mentales, trad. franceza, pag. 386.

Occupando-se dos erros psycho-sensoriaes, escreve: «As illusões e
allucinações em nenhuma outra fórma de loucura são tão frequentes
como na Verrücktheit; em grande numero de casos são ellas
principalmente que alimentam e entreteem o delirio. Muitas vezes os
doentes conversam com as vozes que escutam, ou discutem com ellas,
entregando-se então a accessos de colera»[1]
[1] Griesinger,Obr. cit., pag. 388.
Sobre o caracter absorvente d'estes delirios e sobre as transformações
de personalidade, diz Griesinger; «Involuntariamente o alienado refere
tudo ao seu delirio, e é d'este ponto de vista que julga todas as coisas ...
As concepções falsas relativas ao proprio Eu chegam a attingir um
elevadissimo grau, a partir do qual o doente não considera as coisas do
mundo externo senão de um modo inteiramente pervertido ... Alguns
d'estes doentes parecem crêr que a sua verdadeira personalidade
anterior deixou de existir»[2]
[2] Griesinger,Obr. cit., pag. 387.
Sobre a necessidade do neologismo nos delirios systematisados de uma
longa duração, escreve o eminente alienista: «Por vezes a linguagem
ordinaria não basta ao doente para exprimir o proprio pensamento, pelo
que construe, ao menos para traduzir as suas concepções delirantes, um
vocabulario especial, que elle crê ser a linguagem primitiva, a
linguagem dos ceus»[3]. Ainda a proposito da exteriorisação do delirio,
Griesinger nota que «por vezes o doente occulta cuidadosamente o seu
systema geral de absurdos»[4].
[3] Griesinger,Obr. cit., pag. 388.
[4] Griesinger,Obr. cit., pag. 388.
Sobre o estado affectivo d'estes delirantes exprime-se assim o professor
allemão: «Nunca estes doentes tomam parte, como outr'ora, nas coisas
do mundo externo, ou são capazes de amar e odiar como antes; podem
morrer-lhes os paes e os amigos, póde ser-lhes subtrahido o que mais
estimavam, póde o mais terrivel acontecimento
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