A Paranoia | Page 5

Julio de Mattos
25% das alienadas, comprehendidas as idiotas e imbecis,
seriam perseguidas. As causas proximas seriam, em regra, de uma
completa insignificancia: uma insomnia, uma phrase inoffensiva, uma
refeição de sabôr desagradavel, etc. Emfim, estudando o delirio em
relação ao caracter anterior do doente, Lasègue nota que «os espiritos
mais timidos não são os mais predispostos»; no delirio de perseguições
vê o eminente clinico, não o exaggero de uma prévia tendencia natural,
mas um elemento pathologico novo introduzido no organismo moral e

sem equivalente no estado de saude.
Procurando apenas «estabelecer um typo clinico e determinar os
caracteres que devem entrar na sua definição», o notavel alienista
declara abster-se de estudar «a marcha decrescente da doença e as suas
indicações therapeuticas».
Tal é nos seus traços capitaes e na sua mesma essencia a extraordinaria
memoria de Lasègue.
Sem nada accrescentar a este quadro clinico, Morel fez, todavia, desde
1853 umas importantes observações sobre a historia dos perseguidos,
affirmando que muitos d'elles principiam por ser hypocondriacos e
acabam por delirar n'um sentido ambicioso.
Exposta pela primeira vez d'uma maneira dogmatica e n'um certo grau
de generalidade nos seus Estudos Clinicos, a observação de Morel tinha,
contudo, precedentes na sciencia. Pinel, com effeito, illustrando o que
elle chamava a transição da melancolia depressiva á melancolia
ambiciosa, expozera em 1809 alguns casos de doentes que, tendo-se
julgado por mais ou menos tempo victimas de hostilidades e de
manejos criminosos, acabaram por crêr-se grandes personagens; pelo
seu lado, Esquirol notára tambem desde 1838 que da hypocondria póde
passar-se á lypemania e d'esta á monomania da vaidade, apresentando
como exemplos alguns interessantes vesanicos primeiro
hypocondriacos, depois perseguidos e por ultimo ambiciosos. Entre os
casos de Pinel ha o de um alienado que durante oito annos delirou
como perseguido, crendo-se em constante imminencia de morte por
envenenamento, não ingerindo senão alimentos que furtava na cosinha
do asylo, e que acabou por crêr-se igual ao Creador e soberano do
mundo; entre as observações de Esquirol figura a de um doente que,
excessivamente inquieto sobre o seu estado de saude durante mais de
dois annos, entra em seguida no caminho das perseguições,
imaginando-se objecto de tentativas de envenenamento por parte da
familia, e termina, decorrido um anno, por crêr-se filho de Luiz XVI.
Mas, por valiosas e instructivas que sejam em si mesmas, estas
observações não desempenham nos livros de Pinel e de Esquirol mais
que um papel episodico e sem alcance. Morel foi indiscutivelmente o

primeiro a vêr n'uma tal successão de delirios, não apenas um curioso
accidente, mas uma verdadeira lei de evolução vesanica, segundo a
qual a passagem regular da hypocondria ao delirio de perseguições e
d'este ao delirio ambicioso seria um facto constante nos alienados
hereditarios. D'aqui a affirmar a existencia de uma psychose
degenerativa de que os delirios hypocondriaco, persecutorio e
ambicioso, succedendo-se, não constituiriam senão étapes ou phases
evolutivas, vae uma pequena distancia que Morel percorreu, como
veremos, desde a publicação dos Estudos Clinicos em 1853 até á do
Tratado das Doenças Mentaes em 1860.
Outros auctores franceses, entre os quaes Renaudin, Broc e Dagonet,
notaram a successão de delirios diversos, nomeadamente de
perseguições e de grandezas, n'um mesmo alienado; todavia, por
desconhecimento ou incomprehensão do alcance dos trabalhos de
Morel, nenhum d'elles se preoccupou com a interpretação do
phenomeno. Só em 1869 Foville, retomando a questão na sua
excellente memoria sobre a Loucura com predominio ao delirio de
grandezas, procurou interpretar, sobretudo, a passagem--tão
frequentemente observada agora que a attenção dos clinicos incidia
sobre ella--do delirio de perseguições ao de grandezas.
Marcando na historia dos delirios systematisados um periodo
importante, o trabalho de Foville merece deter-nos um momento.
Depois de ter mostrado que o delirio de grandezas póde apparecer a
titulo episodico na maioria das doenças mentaes e com mais ou menos
relevo constituir um syndroma de algum dos seus periodos evolutivos,
Foville estabelece que elle se torna preponderante e reveste
inconfundiveis caracteres semeioticos em dois casos: na loucura parcial
e na demencia paralytica. Pondo de parte, por alheio ao nosso estudo,
este ultimo caso, vejamos o que Foville pensava do primeiro.
A loucura parcial, que importa não confundir com a monomania de
Esquirol, representaria, segundo Foville, as alienações caracterisadas
pelo conjuncto d'estes caracteres: presença de um delirio systematisado,
ausencia de um estado habitual depressivo ou expansivo, existencia de
perturbações sensoriaes, e chronicidade.

O delirio de perseguições descripto por Lasègue é um dos
representantes d'este grupo; um outro seria, segundo Foville, a
megalomania, que elle define como um delirio de grandezas
logicamente coordenado, associando-se a allucinações chronicas e, no
seu periodo de estado, a idéas de perseguição.
Em rigor, nem o termo é novo, porque antes o tinham empregado, entre
outros, Broc e Dogonet, nem a definição da doença absolutamente
original, porque desde Esquirol se havia reconhecido a existencia de
um delirio ambicioso idiopatico. O que
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