A Invenção do Dia Claro | Page 7

José de Almada Negreiros
nunca vi. Naturalmente
só ha muito longe, nas outras terras!
* * * * *
Estou a espera de ser grande para ver se o que eu penso é verdade ou
não. Se não fôr, mato-me!
* * * * *
Gósto mais dos bois de barro que dos bois verdadeiros.
* * * * *

O gabão do jardineiro era forrado d'azul!
* * * * *
A rosa encarnada cheira a branco.
* * * * *
Quando vejo o côr-de-rosa parece que se referem a mim.

+CONFIDENCIAS+
Bom-Dia, Mãe!
Bem nos tinham dito!--Espérem! foi o que nos tinham dito. E nós
esperámos. Ah! que sempre tive a certeza que havia de chegar «o
descerrar do escuro»! (ANTHERO, Sonetos.)
A eternidade e um instante é a mesma coisa.
SANTO AGOSTINHO.
Bom-Dia, Mãe!
Senta-te ao meu lado, que eu vou contar-te a viagem que eu fiz. Dá-me
a tua mão para que eu a conte bem!
Dei a volta ao mundo, fiz o itinerario universal. Tudo consta do meu
diario intimo onde é memoravel a viagem que eu fiz desde e universo
até ao meu peito quotidiano. Vim de muito longe até ficar dentro do
meu proprio peito e defendido pelo meu proprio corpo.
Durante a viagem encontrei tudo disposto de antemão para que nunca
me apartasse dos meus sentidos. E assim aconteceu sempre desde
aquelle dia inolvidavel em que reparei que tinha olhos na minha propria
cara. Foi precisamente n'esse dia inolvidavel que eu soube que tudo o
que ha no universo podia ser visto com os dois olhos que estão na nossa

propria cara. Não foi, portanto, sem orgulho que constatei que era
precisamente por causa de cada um de nós que havia o universo.
E assim foi que, todas as coisas que a principio me pareciam tão
estranhas, começaram logo desde esse dia inolvidavel a
dirigirem-se-me e a interrogarem-me, quando ainda hontem era eu que
lhes preguntava tudo. Foi-me facil comprehender que o universo era
precisamente o resultado de haver quem tivesse olhos na propria cara.
Muito maior foi o meu orgulho, portanto, quando tive a certeza de que
hoje o universo esperava anciosamente por cada um de nós. Hontem,
cada um de nós viajava por todas as partes do universo, com aquelle
desejo legitimo de se encontrar, e se a viagem demorou mais do que
devia é porque não seria facil acreditar immediatamente que cada um
de nós estava, na verdade, em todas as partes do universo. Confesso
que não pude supôr logo d'entrada que o papel de que seriamos
incumbidos cá na terra fôsse precisamente o mais importante de todos.
Ainda hontem o universo me parecia um gigante colossal capaz de me
atropellar sem querer; e emquanto eu procurava a maneira de não ficar
espesinhado plo gigante, quem poderia, Mãe, ter-me convencido de que
eramos nós-proprios o gigante?
Todas as coisas do universo aonde, por tanto tempo, me procurei, são
as mesmas que encontrei dentro do peito no fim da viagem que fiz pelo
universo.

+III PARTE+
+O REGRESSO
OU
O HOMEM SENTADO+

AO JOAQUIM GRAÇA

+A FLOR+
--«Je travaille tant que je peux et le mieux que je peux, toute la journée.
Je donne toute ma mesure, tous mes moyens. Et après, si ce que j'ai fait
n'est pas bon, je n'en suis plus responsable; c'est que je ne peux
vraiement pas faire mieux.»
Henri Matisse.
Pede-se a uma creança. Desenhe uma flor! Da-se-lhe papel e lapis. A
creança vae sentar-se no outro canto da sala onde não ha mais ninguem.
Passado algum tempo o papel está cheio de linhas. Umas n'uma
direcção, outras n'outras; umas mais carregadas, outras mais leves;
umas mais faceis, outras mais custosas. A creança quiz tanta força em
certas linhas que o papel quasi que não resistiu.
Outras eram tão delicadas que apenas o pezo do lapis já era demais.
Depois a creança vem mostrar essas linhas ás pessôas: Uma flôr!
As pessôas não acham parecidas estas linhas com as de uma flôr!
Comtudo, a palavra flôr andou por dentro da creança, da cabeça para o
coração e do coração para a cabeça, á procura das linhas com que se faz
uma flôr, e a creança pôz no papel algumas d'essas linhas, ou todas.
Talvez as tivesse pôsto fóra dos seus logares, mas, são aquellas as
linhas com que Deus faz uma flôr!

ÁCERCA DA PINTURA DE CÉZANNE E DE MATISSE:
«Elle vous donne la sécurité.»
Charles Péquin.
Sécurité--M. f. (lat. securitas) Confiance, tranquilité d'esprit resultant
de l'idée, qu'il n'ya de péril à craindre: l'industrie a besoin de sécurité.

Petit Larousse.

+A MINHA VEZ+
Tu separeras la terre du feu, le subtil de l'épais--doucement--avec
grande industrie.
HERMES TRIMEGISTA
O desenho das creanças é como o das pessôas que não sabem
desenhar--ambos dizem, mas não sabem o que
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