A Invenção do Dia Claro | Page 8

José de Almada Negreiros
dizem. Não sabem
desembaraçar as linhas de uma coisa das linhas das outras coisas que
veem ao mesmo tempo dentro da mesma palavra. A prova é que não
são capazes de imitar o que da primeira vez lhes escorregou do corpo
pela mão para o papel.
Eu-proprio, apenas agora começo a saber recordar o que foram os meus
desenhos de ha dez e vinte annos, quando fiz uns traços em pedaços de
papeis que guardaram.
Escuto estes desenhos como a um homem, do campo que diz, sem
querer, coisas mais importantes do que o que está a contar, e que põe
tudo á mostra sem dar por isso. Atravez d'estes desenhos sigo
grafologicamente o meu instincto á espera da minha vontade,--a minha
querida ignorancia a aquecer ao sol e a transformar-se na minha vez cá
na terra.
+FIM DA TERCEIRA PARTE+

+UMA FRASE QUE SOBEJOU+
Quando copiei pela ultima vez a Invenção do Dia Claro, sobejou uma
frase que não me recordo a que alturas pertence. A frase é esta:
Ha systemas para todas as coisas que nos ajudam a saber amar, só não
ha systemas para saber amar!

NOTA--Seguem-se as démarches para a Invenção. Foi-nos
completamente impossivel incluir na presente edição as démarches. No
entanto, reproduzimos como specimen a mais antiga de todas para que
o leitor se convença do seu interesse quotidiano e imediato. N'esta,
como em todas as outras démarches para a Invenção é flagrante a
maneira como se representa a fortuna que nos rodeia todos os dias.

+A VERDADE+
Je ne crois que les histoires dont les témoins se feraient égorger!
PENSÉES, PASCAL.
Eu tinha chegado tarde á escola. O mestre quiz, por força, saber porquê.
E eu tive que dizer: Mestre! quando sahi de casa tomei um carro para
vir mais depressa mas, por infelicidade, deante do carro cahiu um
cavalo com um ataque que durou muito tempo.
O mestre zangou-se comigo: Não minta! diga a verdade!
E eu tive de dizer: Mestre! quando sahi de casa... minha mãe tinha um
irmão no extrangeiro e, por infelicidade, morreu hontem de repente e
nós ficámos de luto carregado.
O mestre ainda se zangou mais comigo: Não minta! diga a verdade!!
E eu tive de dizer: Mestre! quando sahi de casa ... estava a pensar no
irmão de minha mãe que está no extrangeiro ha tantos annos, sem
escrever. Ora isto ainda é peor do que se elle tivesse morrido de repente
porque nós não sabemos se estamos de lucto carregado ou não.
Então o mestre perdeu a cabeça comigo: Não minta, ouviu? diga a
verdade, já lh'o disse!
Fiquei muito tempo calado. De repente, não sei o que me passou pela
cabeça que acreditei que o mestre queria effectivamente que lhe
dissesse a verdade. E, creança como eu era, puz todo o pezo do corpo

em cima das pontas dos pés, e com o coração á solta confessei a
verdade: Mestre! antes de chegar á Escola ha uma casa que vende
bonecas. Na montra estava uma boneca vestida de côr-de-rosa! Mestre!
a boneca estava vestida de côr-de-rosa! A boneca tinha a pelle de céra.
Como as meninas! A boneca tinha os olhos de vidro. Como as meninas!
A boneca tinha as tranças cahidas. Como as meninas! A boneca tinha
os dedos finos. Como as meninas! Mestre! A boneca tinha os dedos
finos...

JOSÉ DE ALMADA-NEGREIROS
* * * * *
O MOINHO 1 ACTO
23, 2.^O ANDAR 3 ACTOS
ANTES DE COMEÇAR 1 ACTO
OS OUTROS 3 ACTOS
* * * * *
O MENDES--A ENGOMADEIRA--HERCULES DA SILVA
A SCENA DO ODIO
SALTIMBANCOS--MIMA FATÁXA--LA FEMME ÉLECTRIQUE
O QUADRADO AZUL
* * * * *
DÉMARCHES PARA A INVENÇÃO DO DIA CLARO
DA ARTE DE ATRAVESSAR A MULTIDÃO, COM
APONTAMENTOS SOBRE O QUE EU QUIZ DIZER.

POBREZA VOLUNTARIA
DADOS ARBITRARIOS PARA A FUTFURA ARISTOCRACIA
* * * * *
AS TREZ IDADES DE CADA UM
--«AS TREZ IDADES DE CADA UM» É O OVO DE COLOMBO!
Dr. F. Alves de Azevedo.
* * * * *
O MENINO D'OLHOS DE GIGANTE
FEITO COM A PRETENÇÃO DE POEMA UNIVERSAL.
COM UMA POSIÇÃO GEOGRAFICA PORTUGUEZA NA FORMA
POETICA DA TONTERIA POPULAR.

ACABADA D'IMPRIMIR AOS TRINTA DIAS DO MEZ DE
NOVEMBRO DE MIL NOVECENTOS E VINTE E UM, NAS
OFICINAS DA SOCIEDADE NACIONAL DE TIPOGRAFIA, RUA
DO SECULO, 59, FICANDO DEPOSITARIA «PORTUGAL E
BRAZIL», RUA --GARRETT, 58, 60, LISBOA.--

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