A Gratidão | Page 6

Camilo Castelo Branco
te dou--replicou D. Julia, mettendo a moeda de prata na m?o de Rosinha--n?o te esque?as da recommenda??o, que te fiz, de estares ámanh? aqui a esta mesma hora.
E antes que Rosa tivesse tempo de recusar, já D. Julia tinha desapparecido, levando na m?o o cestinho.
Rosa ficou um instante sem saber o que havia de fazer, mas recome?ou ligeiramente o trabalho. Quando ao jantar voltou a casa, contou a D. Thereza o seu encontro de pela manh?, o que lhe tinha acontecido e perguntou-lhe se devia ou n?o guardar os cinco tost?es.
--N?o te authoriso a pedir, Rosa, mas isso n?o é uma esmola, é um presente, que te fazem, podes portanto arrecadar esse dinheiro. Ris-te. Já sei. Esse dinheiro vem a proposito para augmentares o teu mealheiro, com o qual te hei-de comprar um rico jaqué para o S. Miguel.
--N?o, senhora--replicou Rosa com a alegria nos olhos--n?o é esse o meu pensamento, e que me causa tanta alegria.
--Que é ent?o?
--Rogo-vos que me n?o fa?aes perguntas; depois o sabereis.
--Guarda o teu segredo, porque sei que n?o és desgovernada, e que o n?o has-de gastar mal gasto.
Rosa abra?ou ternamente D. Thereza, e foi entregar as suas encommendas de fl?res e cestos.
VI.
D. Julia recolheu-se para casa muito tempo depois da hora, que tinha determinado.
A viscondessa, impaciente e sobresaltada com a demora, sahiu, no caminho, ao encontro de sua filha.
--Estiveste incommodada, minha filha?--lhe disse ella.
--N?o, minha senhora. Este cestinho, que aqui trago, é que foi a causa da minha demora.
E D. Julia mostrava a sua m?i o cestinho, que Rosa tinha feito.
--Como é lindo--respondeu a viscondessa--N?o sabia Julia, que tinhas a prenda de fazer cestos de juncos entran?ados.
--N?o fui eu que fiz este cestinho, minha m?i.
--Ent?o quem foi?
--Foi uma lavradeirinha, que encontrei no meu passeio.
--Uma lavradeira?!
--Sim, minha senhora. E acreditareis, minha m?i, que por todo este trabalho me pediu a grande quantia de quatro vintens?
--N?o te pergunto quanto lhe déste, por que conhe?o a bondade do teu cora??o, e tenho a firme convic??o de que n?o abusaste da sua simplicidade.
--Dei-lhe só meia cor?a, por que n?o tinha mais na minha bolsinha. N?o queria recebel-a, ajuizando que lh'a dava como uma esmola; mas tanto fiz que a aceitou, e convencionei com Rosa, (pois a minha ramalheteira assim se chama) para nos encontrarmos ámanh?, no mesmo sitio, á mesma hora; e se ella, como penso, f?r digna da sympathia, que me inspirou, e do interesse que já me causa, consentir-me-heis, minha boa m?i, que a tome sob a minha protec??o?
--Consinto em tudo, minha filha, que te dê prazer, e distrac??o. Se a tua protegida f?r digna dos nossos beneficios, unir-me-hei comtigo, e accordaremos no que devemos fazer para seu bem.
D. Julia abra?ou com ternura a viscondessa, e agradeceu-lhe a sua bondade.
N'este comenos, a viscondessa e sua filha, chegaram a casa.
D. Julia collocou com muito cuidado sobre uma mesa da sala o cestinho, e correu com presteza ao seu quarto a preparar um cavallete, pinceis e tintas para dar principio ao quadro projectado, e, tendo tudo disposto, desceu á sala a buscal-o.
D. Bertha estava examinando o cestinho com atten?ào e minuciosidade.
--N?o est?o t?o bem dispostas e combinadas essas fl?res, Bertha?--disse D. Julia.
--Assim, assim. N?o gosto d'estas violetas, que formam o centro do ramo. Podias ter tido melhor gosto e fazer cousa melhor.
--N?o concordo com a tua opini?o. Estou convencida de que Rosa n?o podia ter melhor gosto.
--Rosa?
--Sim, Rosa. Ah! é verdade; ainda te n?o contei o encontro, que tive esta manh?. Ora ouve.
D. Julia contou a sua irm? minuciosamente toda a conversa, que tivera com Rosa.
Quando ella acabou, D. Bertha fez um gesto de desdem.
--E, sem duvida, Julia, já te affei?oas-te a essa pequena; n?o é assim?--disse D. Bertha.
--Rosa,--respondeu unicamente D. Julia--tem merecimento bastante, que a torna digna da protec??o, que se lhe dispensar.
--O que mais me admira e me espanta, Julia, é a rapidez com que sympathisas com qualquer, e como instantaneamente conheces e decides, que essa pessoa é digna da tua affei??o e amisade... N?o quero tomar-te o tempo; julgo que vinhas buscar o teu lindo cestinho, n?o é assim?
--Vinha, sim, para o ir copiar em um quadro, pintando-o.
--Pintal-o?!--disse D. Bertha, dando uma grande gargalhada.--Que liguemos alguma atten??o ás fl?res dos nossos parques e jardins, concedo; mas que empreguemos o tempo e o talento com as silvestres, que só tem os perfumes para si, parece-me uma singularidade esquisita.
--A minha opini?o, Bertha, é exactamente o contrario. Mas isso n?o admira, por que nós raras vezes estamos accordes sobre qualquer materia. Ponhamos isso de parte; queres tu vir ámanh?, commigo e com a nossa boa m?i, vêr Rosa?
--N?o posso. Combinei com a Francisquinha e Ritinha Meirelles virem amanh? aqui passar o dia. Além d'isso, fallar-te-hei francamente, n?o ha nada para mim mais antipathico do que todas essas lavradeiras; e andar uma legua para me ir achar face a
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