A Gratidão | Page 4

Camilo Castelo Branco
e anima??o, esta poetica crian?a fazia cestinhos de vimes e juncos, que guarnecia com musgo e fl?res silvestres, mas com um gosto e belleza exquisito, os quaes D. Thereza mandava vender, dando sempre bom pre?o.
Ganharam renome os cestos de Rosa.
Em todas as quintas e casas ricas dos arredores n?o queriam outros, e até muitas familias da cidade, que iam passar o ver?o áquelles sitios, compravam e procuravam com avidez os cestos d'esta gentil ramalheteira.
D. Thereza, como mulher que comprehendia os seus interesses, entendeu que lhe era de mais proveito o empregar Rosa, durante a primavera, a fazer cestos e ramos, do que na quinta, por isso assim o determinou. Quando Rosa o soube, saltou d'alegria, por que se dava melhor á sombra dos pinheiros e carvalhos, do que em casa.
Passou-se assim o ver?o, e D. Thereza n?o teve que se arrepender da sua resolu??o. Um certo numero de meias cor?as de prata provou o bom resultado do negocio de cestos e fl?res.
O inverno pareceu triste e monotono a Rosa. Tinha-se habituado de tal maneira a ir todas as manh?s para a serra, que chegava muitas vezes a esquecer-se do trabalho, e ir insensivelmente até á baixa d'ella. Voltava ent?o muito apressada á quinta e redobrava d'actividade, para fazer esquecer as suas faltas involuntarias.
Occupou-se a fiar quasi todo o inverno, e o producto do seu trabalho foi augmentar o pequeno thesouro principiado com a venda dos cestos e fl?res.
D. Thereza considerava Rosa como sua filha, n?o podendo estar sem ella um unico instante, e nos dias de feiras e romarias tinha gosto em que Rosa apparecesse entre as mais lindas e mais ornadas lavradeiras do lugar.
A amisade, que tinha a Rosa, reflectia-se na avó; tratava-a com tal respeito e affabilidade, que a poderiam tomar por m?i de D. Thereza, tanto ella a cercava de cuidados e desvelos.
A felicidade da pobre cega, e bem assim o futuro de Rosa poder-se-iam julgar seguros; mas como nada n'este mundo é immutavel, o momento, em que a adversidade ia estender o seu bra?o de ferro sobre as duas infelizes, n?o estava longe.
V.
Voltou a primavera e com ella as encantadoras occupa??es de Rosa. Foi com enthusiasmo, que a candida e poetica crian?a encontrou as fl?res, suas amigas, com que preparou os primeiros ramos, que appareceram no mercado.
Os cestinhos e ramos de Rosa obtiveram uma grande extrac??o, como no anno anterior. Ia entregal-os pessoalmente nas casas ricas, e muitas vezes as senhoras morgadas, se julgavam felizes por ter em sua companhia esta linda crian?a por algum tempo.
Rosa, vestida á lavradeira, era muito galante e modesta; o seu metal de voz era agradavel, e as maneiras t?o delicadas, que quasi sempre as freguezas, ao pre?o do ramo, juntavam um presentinho para a vendedeira; mas quando perguntavam a Rosa o que era que mais estimava, respondia sempre, que o seu maior desejo era possuir um livro para se instruir.
Rosinha tinha uma paix?o ardente pelo estudo; quasi sem mestre tinha aprendido a lêr correntemente, e a sua maior alegria consistia em obter um livro para se entregar á leitura.
D. Thereza pela sua parte tambem n?o obstava aos desejos de Rosa, tanto que se lhe n?o dava que ella faltasse ás suas obriga??es; mas devemos fazer-lhe justi?a dizendo que sabia alliar a satisfa??o dos seus desejos, com o cumprimento dos seus deveres, por isso só depois de ter terminado os seus affazeres é que se dava ao estudo.
Estava Rosinha uma occasi?o sentada á borda d'um ribeiro, entretida a colher juncos para fazer um cesto, quando, sem ella o presentir, se lhe aproximou uma senhora ainda joven.
--Para que estaes escolhendo esses juncos, minha menina?--lhe disse a joven senhora com modo affavel.
Rosa levantou a cabe?a, e vendo a desconhecida, saudou-a e respondeu:
--Fa?o cestinhos com fl?res para vender.
--Quero ent?o já avaliar a vossa habilidade. Amo muito as fl?res, por isso queria que me fizesses um cestinho já, e se eu ficar contente has-de-me fazer um todos os dias. Aceitaes?
--Aceito, sim, minha senhora, e ainda que tenho muitas encommendas a satisfazer, vou já preparar o vosso.
--Assento-me aqui ao pé de ti e vamos conversando. Como te chamas?
--Rosa de Jesus, uma sua criada, minha senhora.
--Assim, Rosa, o teu trabalho é fazer cestos de fl?res para depois os ires vender?
--Sim, minha senhora.
--E teus paes em que se occupam?
--Já n?o tenho paes; só me resta minha avó, que é cega.
--és orph?, e onde moras?
--Estou em casa da snr.^a D. Thereza de Sousa, proprietaria em S. Cosme, t?o boa, como rica.
Ha um anno, que eu e minha avó n?o sabiamos aonde nos haviamos de recolher; estavamos em Dezembro, e havia dous dias que n?o tinhamos comido, quando de repente me lembrei da snr.^a D. Thereza. Eu e minha avó, que ent?o moravamos na serra de Vallongo, pozemos-nos a caminho para S. Cosme. O caminho é muito mau, por isso
Continue reading on your phone by scaning this QR Code

 / 21
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.