tomava um encargo bastante pesado. Rosa era ainda muito pequena, e de mais a mais muito fraquinha, para poder ter utilidade real! A pobre crian?a estava a fazer dez annos, mas era muito franzina e delicada. O seu rosto, cercado de compridos caracóes louros, e animado com uns grandes olhos azues escuros, inspirava sympathia. Tinha as maneiras delicadas, e a linguagem menos rude, que a dos camponezes dos arredores. Esta distinc??o n'uma crian?a, ainda t?o tenra como Rosa, nascia da sua intelligencia mui desenvolvida.
A m?i, logo que ella teve tino para se n?o perder nos caminhos, mandava-a apanhar fl?res silvestres, que ia vender ás familias mais abastadas das aldéas visinhas. Como Rosa era muito linda as senhoras das casas acolhiam-na muito bem, divertiam-se com ella, ouvindo-a tagarelar, e demoravam-na muitas vezes a brincar com as suas filhas.
Sendo muito viva tomou facilmente as maneiras, e modo de fallar, das pessoas com quem tratava, de modo que os rachadores denominavam-na a fidalguinha.
Se tinha adquirido maneiras delicadas, n?o havia perdido as boas qualidades, de que era dotada; humilde e carinhosa para todos, quem a conhecia adorava-a.
O que a mim, minhas caras leitoras, me levou tanto tempo a dizer, passou n'um instante pela idéa a D. Thereza de Sousa, e fixou-lhe a resolu??o de recolher a avó e a neta.
--Vou-te mandar vestir uma roupinha melhor, Rosinha,--lhe disse D. Thereza, animando-a com uma brandura, que lhe n?o era habitual,--porque espero has-de ser uma boa criada, servi?al e trabalhadeira.
--Ent?o fico em casa de v. exc.^a?--disse Rosa, n?o podendo crer em tanta ventura.
--Ficas, sim, e parece-me que nunca me darás motivo para me arrepender do que hoje fa?o.
--Oh! minha senhora, estai certa que me esfor?arei o mais possivel, para vos agradar e satisfazer os vossos desejos.
--Assim o espero. Anda vestir-te.
--Desculpe-me, senhora. Mas minha avó...--e Rosa parou corando.
D. Thereza, querendo experimentar a sua protegida, disse:
--Que queres a tua avó?
--Ella tambem fica?
--N?o. Tua avó é cega e velha, para nada serve, e eu n?o sou rica bastante, para me encarregar da sustenta??o de duas pessoas.
--Ent?o, senhora, agrade?o os vossos beneficios, e todo o bem que me querieis fazer, mas n?o posso abandonar a minha avósinha, que morreria de paix?o.
Vou ajudal-a a levantar-se, e regressaremos à nossa aldêa.
--E que has-de fazer na tua aldêa?
--Irei humildemente pedir a um mestre tamanqueiro um pequeno cantinho da sua casa, que estou certa me n?o negará. N?o sou robusta, mas tenho coragem, por isso trabalharei nos socos durante o inverno. Quando vier o ver?o irei vender fl?res e fructos, como os demais annos, e como eu, e a pobre cega, de pouco precisamos para viver, parece-me que ganharei para ambas. Logo que chegue a primavera n?o seremos pesadas a ninguem...
D. Thereza apertou Rosa nos bra?os, e chegou-a ao cora??o.
--Basta, Rosinha, tu és um anjo do céo, que Deus enviou a minha casa para me trazer a felicidade. Vai-te vestir, e depois irás participar a tua avó, que ambas ficaes para sempre em minha casa.
Descrever a alegria da avó, quando soube a decis?o de D. Thereza, é-me impossivel fazel-o, minhas caras leitoras; vós, que deveis ser dotadas de bom e piedoso cora??o, melhor a podereis imaginar. Abra?ava Rosa, agradecia a D. Thereza com um reconhecimento mui sincero, promettendo fazer todo possivel para ser menos pesada á sua bemfeitora. Rosa nada dizia, mas a eloquencia de seu olhar provava a D. Thereza a sua gratid?o.
IV.
Rosa, ainda que novinha e de fraca organisa??o, tornou-se util em casa. Incansavel no trabalho, de manh? cedo tratava da capoeira e do pombal; depois ia guardar os bois e os carneiros, e, em quanto que os vigiava, fiava na sua roca.
Ao jantar, quando recolhia a casa, tinha sempre que fazer. Era um gosto vêr esta crian?a t?o tenrinha arrumar, limpar e lustrar os moveis, como o faria a melhor mulher de casa.
D. Thereza cada vez mais estimava a sua protegida, e felicitava-se pela ter recolhido. A avó tambem n?o era inutil. A cegueira n?o a impossibilitava de fiar desde pela manh? até á noite, e o seu trabalho era perfeito. Tudo corria bem, e todos andavam contentes e satisfeitos.
Chegou a primavera. Come?aram a desabrochar com o tepido s?pro d'esta esta??o, e mostraram as suas galas, a bella pervinca azul, o narciso de cor?a d'ouro, o lyrio de campanas odoriferas, e a bella violeta de calices perfumados.
Rosa, quando ia á serra, era para ella um dia d'alegria. Procurava os caminhos tapetados de musgo, os regatos, que tantas vezes tinha passado, as fontes escondidas pelas ?ar?as, e as arvores, sob as quaes tinha encontrado as mais lindas fl?res. Rosa sentia-se mais livre e mais feliz na serra, do que nos campos da quinta; a todo o momento parava extasiada diante das bellezas da natureza, e cada sitio novo, que achava, era como se fosse um amigo. Quando o socego voltava, depois d'esta alegria
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