louras
raparigas nas ceáras!
Lembram-lhe a India, os templos monstruosos,
com seus deuses
terriveis, singulares,
as arvores de fructos venenosos,
as bastas
selvas, os gentis palmares!
Lembram-lhe os tigres ruivos, sequiosos,
que vão beber a rios como a mares,
e pelas noites immortaes,
eternas!
0. luar nas figueiras das cisternas
E elle quizera achar-se em alto monte,
em cima tendo os astros por
juizes,
dizendo adeus ao sol no horisonte,
acabar os seus dias
infelizes:
na boa terra Mãe deitar a fronte
e entre as vegetações,
entre as raizes,
misturar sua vida e acerbas dores
com as almas das
plantas e das flores!
Para o velho cantor eram fugidos
ai! como luz que para sempre expira,
os bellos tempos jovens e lusidos,
as mulheres ideaes que o Amor
inspira!
Rotos, á chuva, os tragicos vestidos,
posta de parte,
empoeirada a lyra,
achava-se hoje n'uma rua, ó mundo,
velho,
faminto, pobre, e moribundo!
Sem ousar mendigar, como um vadio,
vaga nas ruas da Cidade
egoista.
A tarde chega, o bello sol fugiu.
A noute vem, que o
coração contrista.
Irrompe a lua sobre a verde crista
d'um monte ao
longe, e no lagedo, ao frio,
. Genio cae emfim, hirto e sem falla, como um cadaver que se deita á
valla.
N'este momento uma mulher gigante,
que pareceu sair d'um pesadello,
pallida e triste, qual saudade errante,
deixando ao vento as ondas
do cabello,
tão magra como a Sombra, o seu semblante
toldado
d'um desgosto immenso e bello,
chegou-se ao Genio hirto e
abandonado,
como a visão d'um sonho torturado.
E disse-lhe: Bem perto d'esta rua
dar-te-hão, ó mendigo, uma guarida,
não dormirás á lividez da lua
e terás leito onde acabar a vida.
Se
a Sorte t'esmagou, a Sorte crua,
ergue a cabeça pallida e abatida,
e
ri contente, ó triste, para a eça,
que em breve vai findar a tua peça!
A mulher ajudou a levantal-o.
Cingiu o braço ao Genio moribundo.
A Morte que passava em seu cavallo
deu-lhe um sorriso livido e
profundo.
--O teu semblante, ó velho, dá-me abalo,
disse a mulher.
Não é vulgar no mundo!
Dize-me pois que cousas tenebrosas
te hão
cavado essas rugas dolorosas!
«Eu fui--o Genio disse--um malfadado
cantor d'heroes e feitos dos
antigos!
Amei tudo que é grande e desejado,
e terrivel luctei contra
inimigos!
Sentei-me no castello derrocado,
no deserto solar, cruzei
os p'rigos!
E com saudade emfim d'estas collinas,
quiz expirar-lhe,
um dia, entre as ruinas!
«Ninhos fizeram no meu peito amores,
como andorinhas sobre as
cathedraes!
Conheço o aroma das malditas flores!
Sei os soluços
dos compridos ais!
Sobre o deserto pallido das Dôres,
ninguem
como eu peregrinou jamais!
E pelas noutes regeladas, cruas,
chorei
com fome, errando, pelas ruas!
«Porém que porta negra agora abriste?
Que aspecto é este morto e
desolado?
Acaso o inferno depois d'isto existe?
Acaso é pesadello
desmanchado?»
--Cala-te! disse a Sombra magra e triste,
Cala-te, ó
Genio immenso, desgraçado!
E com sorriso d'expressão fatal
a
Sombra concluiu--É o hospital!
CANTO SEGUNDO
No Grabato do Hospital
É alta a noute. A lampada vacilla,
como um pranto, na vasta
enfermaria.
Um marmoreo suor frio scintilla
sobre a fronte do
Genio, na agonia.
O Genio vae morrer; sobre a pupilla
treme-lhe
um pranto á luz bassa e sombria,
mais triste do que o luto d'uma sina,
e um soluço atravez d'uma ruina.
Junto do leito uma mulher extranha,
com grandes olhos tristes e
parados,
contempla-lhe o suor frio que o banha,
e abraça-o com
seus braços descarnados.
Como um sol que se põe n'uma montanha,
são frios os seus olhos encovados,
hirta, severa, tragica a postura,
como imagem d'antiga sepultura.
«Já viste--diz-lhe o Genio--ó mulher triste!
que me olhas com teus
olhos impassiveis,
morrer no mundo alguem? Acaso viste
as
lagrimas da morte irremissiveis!
Acaso, ao magro peito já cingiste
uns braços que emfim caem insensiveis,
alguns braços d'irmão que te
apertaram,
e que até ás entranhas te gelaram?
«Já conheceste as grandes despedidas
as despedidas sepulchraes,
eternas?
Já sabes quanto doe irem-se as vidas,
formas, e almas que
nos foram ternas?
Sabes o fel das lagrimas vertidas,
ou o sangue das
lagrimas internas,
n'um rosto amado, uns olhos, um cabello,
que a
alma sabe que não torna a vêl-o?!»
Ai! sim--a Mulher diz--com voz gelada
que pareceu sair d'entre
saudades,
calcadas como lyrios n'uma estrada,
terriveis como
pallidas verdades.
«Eu cruzei já os reinos e as cidades
do luto, e da
miseria desolada,
e vi magoas, e gentes fallecer
que ninguem viu,
nem tornará a vêr!»
E continuou a olhal-o fixamente
com o seu olhar tragico e marmoreo,
e um suspiro vibrou profundamente,
dolorido, no vasto dormitorio.
Como atravez d'um sonho incoherente,
n'este sonho da vida
transitorio,
O Genio leu, no seu olhar parado,
todo o luto e terror do
seu Passado.
«Ah! já sei quem tu és,--o Genio clama--
na rapida scentelha d'um
delirio.
Tu és a Musa que apregôa a fama,
a Musa meu amor e meu
martyrio!
Foste tu que accendeste em mim a chamma!
N'essas
palpebras roxas como um lyrio,
na pallidez, nos labios desbotados,
vejo a Musa dos genios desgraçados!
«Tu és a Musa sim d'esses errantes
e tristes peregrinos do Ideal,
d'esses loucos e extranhos viajantes
que andam á busca d'uma flôr
fatal,
d'uma flôr de tons ricos, scintilantes,
d'uma camelia azul e
boreal:
até que morrem n'uma praia nua,
ou nos gelos, a um raio
azul da lua!
«Foste tu que inspiraste sempre os cantos
que eu dediquei á Gloria e á
Natureza!
Ah! foste tu que me enxugaste os prantos,
e ao luar
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