disse--Acho um secreto encanta?n'este gélido objecto curioso!...?Deixa-a ficar que causará espanto?ao meu povo selvagem tenebroso,?e assim lhe ensine n'um terror mortal?como é que gela a lagrima final!
Porém da noute no silencio frio?quando o Cesar dormia no seu leito?esta lagrima ao Principe sombrio?infundia-lhe um tragico respeito.?Das vis?es no terrivel desvario?via da Morte o ultimo tregeito:?e as caveiras sem olhos, nem narises,?de todos os sinistros infelizes!
E a lagrima implacavel e severa?accusava-o de todos os seus crimes?dos seus instinctos tragicos de fera,?dos mortaes que dobrava como vimes,?dos irm?os e dos Paes que elle prendêra,?e das almas viris, fortes, sublimes,?a quem seu bra?o sem cessar enterra?pelas entranhas humidas da terra!
E o Despota na lagrima parada?lia a lenda de todos que sem nome?sobre a neve, ou na mina bronzeada?tinham morrido esqualidos de fome:?via os prantos da plebe esfarrapada?que n'um suor esteril se consome:?e os clamores formidaveis, justiceiros,?dos prantos de milh?es de mineiros!...
Fugiu logo do leito insupportavel,?e por todo o palacio vaga errante.?De manh? chama a Sombra miseravel?e entrega-lh'a, com m?o febrecitante:?Leva d'aqui--lhe grita--esse implacavel?tormento, que é mais frio que um brilhante,?porque de prantos tenho um cemiterio?no gelo excepcional do meu imperio!
Lembrou-lhe ent?o á Fome ir offertal-o?de Roma ao mais sinistro inquisidor.?Deixa á porta o seu pallido cavallo.?Penetra cheia d'um mortal terror.?Quando o sicario a viu sentiu abalo?e disse á Fome--Eu gosto d'esta flor?que florece nos mortos, como lyrios?que gelaram nos olhos dos martyrios!
Porem da noute no silencio enorme,?a fixidez da lagrima impassivel?olhava-o como um olho frio e informe,?e accusava-o de tudo que ha de incrivel,?Accusava-lhe a alma, antro desforme;?e estendia-lhe ent?o n'um sonho horrivel?de eternos prantos um gelado mar?--como uma immovel solid?o polar.
E ao bandido lembravam-lhe as torturas?dos que vira morrer nos seus flagicios,?de todas as sinistras creaturas?a quem passara a esponja dos supplicios.?E as disformes e energicas figuras,?com blasphemias, gritavam-lhe os seus vicios,?e entre injurias, mostravam, justiceiras?os bra?os calcinados das fogueiras.
Envia de manh? chamar a Fome,?e á Sombra grita com sorriso duro,?podes levar a lagrima sem nome,?e esconde-a bem no antro mais obscuro.?Como uma pedra que o abysmo some?faze que ella se suma; e no futuro?n?o me tragas jamais estes espelhos?dos que morreram contra os Evangelhos!
Quando a Fome largou os dous sicarios?foi procurar o rei dos mais banqueiros,?que era tambem senhor dos usurarios,?cujos navios eram aos milheiros.?O palacio valia os mil erarios?dos principes mais ricos estrangeiros.?E as suas sallas tinham cem figuras?das mais raras e nuas esculpturas.
Quando o banqueiro viu a extranha offerta?disse n'um tom ironico e orgulhoso,??A vida d'um poeta é pobre e incerta!?Mais mesquinho o seu pranto angustioso!?Comtudo, como a fome vil te aperta,?guardarei este pranto curioso,?e na alcova a porei, como memoria?de que vai tudo Ouro, e nada a Gloria!
Porem, de noute no silencio fundo,?a lagrima impassivel fixa, dura,?recordava-lhe os prantos que no mundo?fizera derramar a sua usura.?E n'um estar immovel e profundo,?como um espectro d'uma sina escura,?todos choravam, n'este pesadello,?--inconsolaveis lagrimas de gelo!
Levantou-se o banqueiro torturado?e mal a aurora avermelhou a terra,?chamou a Fome, e livido, aterrado,?disse á Sombra--?Confessa-me o que encerra?esse impassivel pranto amargurado?que n?o sei o que tem me gela e aterra,?tendo eu só n'estas salas cem figuras?das mais ricas marmoreas esculpturas??
?N?o sei--a Sombra disse:--Teem-me dito
? mesmo, muitos grandes assassinos. é que esse pranto foi talvez o grito do Genio contra o injusto dos destinos. é que o Genio é o a?oute do Infinito contra os crimes, e os grandes desatinos, e mesmo sob os goivos mortuarios regela ainda as almas dos sicarios!
Depois d'isto ninguem mais quiz o pranto!?Todos riam do extranho d'essa offerta.?Uns fugiam da Fome com espanto.?Outros julgavam-lhe a raz?o incerta.?Uma virgem, porem, d'um rosto santo?bradou, a face de rubor coberta:?--Eu amei d'um poeta a fronte amada!?Ai! quem déra essa lagrima gelada!
?Porem nada te dou, por que sou pobre,?a ti que és pobre como eu sou tambem.?Sobe acima do azul que a todos cobre,?acima dos Despresos, do Desdem.?Sobe acima da D?r que é grande e nobre,?mais acima dos astros, mais além?do Egoismo, da Inveja, e da Cubi?a,?e vai leval-a ao throno da Justi?a!
Ent?o a Sombra abandonou o mundo,?e ergueu-se logo acima das espheras,?longe da Besta d'Ouro e Vicio immundo,?para longe dos Tempos e das Eras,?perto do abysmo do insondavel fundo,?onde teem corpo as lucidas chimeras:?montada n'um cavallo horrendo e feio,?sem estribos, sem redeas, e sem freio.
Quando ella contemplou em baixo a terra,?humillimo planeta gr?o d'areia?preza do Tempo e insaciavel Guerra?e onde a ra?a dos mortaes ondeia,?ella que nada já commove e aterra,?que nenhum pranto d'um estranho anceia,?sentiu brotar no secco cora??o?a rubra e extranha flor da Indigna??o.
Ella atravez passara d'almas, vidas,?e dos martyres lugubres descal?os,?das jovens m?es crueis infanticidas,?das illus?es e dos sorrisos falsos,?atravez das eternas despedidas,?dos crimes, dos incestos, cadafalsos,?e de todos os crimes e desgra?as?que s?o os fructos tragicos das Ra?as.
Ella atravez passara d'essas almas?aonde em prantos s'escreveu _jámais_,?das grandes solid?es das neves calmas,?atravez das galés, dos hospitaes,?atravez das blasphemias e dos ais,?das glorias, dos
Continue reading on your phone by scaning this QR Code
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the
Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.