cantos.
Depois mostrou-o pallido, quebrado,?no fundo d'uma lugubre enxovia,?no declinar da vida, envergonhado,?preso pela Injusti?a, e Cobardia.?Pintou ao fundo tragico e assentado,?na misera masmorra humida e fria,
? Desespero torvo e macilento, irm?o magro e infernal do Desalento.
E do plebeu nas phrases singulares?sentia-se o glacial dos luares frios,?os rugidos dos ventos pelos mares,
? desfazer das taboas dos navios: as fundas despedidas, e os pesares dos adeuses nos carceres sombrios, e um vento a solu?ar como um a?oite do Destino, rasgando a eterna noite.
E todos escutavam, surprehendidos,?essas desgra?as barbaras sepultas?nos mysterios do olvido, esses gemidos?e essas sagradas lastimas inultas!?Bar?es e cavalleiros commovidos?enxugavam as lagrimas a occultas,?e as pallidas senhoras solu?antes?banhavam com seus prantos os brilhantes.
Depois contou as noutes innarraveis?da Miseria, e da Neve as ladainhas,?sobre os gelos os grandes miseraveis,?em attitudes tragicas, mesquinhas.?Desenhou os carvalhos formidaveis?em lugubres len?oes, as andorinhas?fugidas, procurando outros paizes.?E sempre! sempre a Fome! e os Infelizes!
Depois narrou a rude lucta immensa?com todas as potencias da Desgra?a,?e o Genio atravessando a névoa densa,?como um espectro livido que passa:?as lagrimas da Fome e da Doen?a,?e o mendigar do escravo sobre a pra?a,?pedindo supplicante á turba e ao mundo?esmola para um Genio moribundo.
Pintou a morte d'esse escravo amigo,?e o Genio inda mais triste e no abandono?da for?a d'esse servo, seu abrigo,?dos amigos, dos nobres, e do throno.?E o terrivel guerreiro do inimigo?pintou em noutes lividas, sem somno,?velho, dobrado, pelas névoas cruas,?faminto á chuva, e ao vento, pelas ruas.
Pintou depois, chorando, a ultima scena?e da tragedia o derradeiro acto,?e essa cabe?a pallida, serena,?no frio travesseiro d'um grabato.?Desenhou esse hospicio, uma gehena,?onde vai terminar muito apparato,?e depois, ai! depois, fria e fatal?a desolada lagrima final!
Quando acabou, sentia-se na salla
? ruido dos choros suffocados, e os solu?os e as lastimas que exala a D?r nos cora??es muito abalados. O Conde estava em pé, hirto, e sem falla, hirtos, sem falla, em pé, os convidados, e as damas atiravam solu?antes, ás plantas do plebeu os seus brilhantes.
?Guardai--o velho disse--altas senhoras!?as vossas bellas joias preciosas,?que já de nada servem n'estas horas?ao que morreu, sem vossas m?os piedosas.?Prendei-as novamente ás tran?as louras,?que o cantor, n'estas horas luctuosas,?para ir enterrar-se, á luz do sol,?carece só da esmola d'um len?ol!
O Conde deu uma ordem. N'um momento?um nitido len?ol pagens trouxeram.?Ao pegar-lhe no rosto macilento?do plebeu as lagrimas correram.??Eu chóro--bradou elle--esse talento,?esse craneo que as lagrimas arderam,?e que em premio do genio que trabalha?só teve por esmolla esta mortalha!
?Este len?ol váe ser o teu sudario?ó grande Genio! que rollaste á praia?da Morte, desgostoso e solitario,?mais branco do que a lua que desmaia.?Quando soar teu sino funerario,?e no teu craneo a campa rasa caia,?chorai damas, bar?es, n'um ch?ro fundo?a maior alma que deitou o mundo!
Essas faces chorai, as quaes araram,?as lagrimas do abandono e da desgra?a,?as quaes como carv?es rubros queimaram,?ou como um vento d'areal que passa:?este craneo chorai, de cuja ta?a?as lagrimas de sangue s'entornaram,?e este len?ol sabei damas, bar?es?vai embrulhar o corpo de Cam?es!
E novamente as lagrimas correram,?e os solu?os de novo rebentaram,?as c?res novamente se perderam,?e os convivas em pé se levantaram:?os lacaios o passo suspenderam,?muitas damas mimosas desmaiaram,?como caiem as lagrimas internas?nas funeraes separa??es eternas.
O velho ia a sair. Porem o Conde
? deteve e bradou:--?Que nome é o teu ó homem singular, onde s'esconde um peito que é mais nobre do que o meu? Por que reinos cruzaste? Dize aonde aprendeste, ó phantastico plebeu! a fallar das extranhas afflic??es, d'um modo que sacode os cora??es...?!?
O velho ent?o ergueu-se, em toda a altura?do seu corpo potente e agigantado,?e deixou ver a athletica figura,?de sorte que pareceu ter-se elevado.?E ent?o, n'um tom terrivel d'amargura,?que deixou todo o mundo alvoro?ado,?bradou num ai, n'um grito, extranho e novo?--Sou o Pranto do Povo e volto ao Povo!
CANTO QUARTO
A Lagrima de Marmore
Essa lagrima immovel que se gela?sobre as palpebras roxas dos finados,?e que eu já vi rollar funesta e bella?nas faces de dous entes bem amados,
? que é que ella nos diz? que nos revella de profundos desejos decepados, d'inauditas ou intimas desgra?as, que s?o as flores funebres das Ra?as?!
O que é que ella nos diz, que nos remove?até ao mais profundo das entranhas,?triste como flor onde n?o chove,?no cume inacessivel das montanhas?!?Dirá ella um desejo que já houve,?cheio de d?r e aspira??es extranhas,?e expirou e morreu n'um mundo falso?como um amor ao pé d'um cadafalso!?...
Quando a Fome colheu do moribundo?a lagrima de marmore dorida,?poz-se logo a caminho pelo mundo?e foi vendel-a aos Principes da Vida.?Mas alguns, num desdem fino e profundo,?riram da triste offerta nunca ouvida:?outros tiveram um horror absorto?ao verem uma lagrima d'um morto!
Lembrou-se ent?o d'um Principe potente?que vive n'um payz todo de gelo,?que ama tudo que é gélido, inclemente,?e frio como a folha d'um cutello.?Penetrou no palacio refulgente,?todo cheio de marmore e ouro bello,?e onde elle desvellava insomnias cruas?no meio de milh?es d'espadas nuas.
Quando o Cesar cruel viu esse pranto?de que gostou seu genio monstruoso?á Sombra
Continue reading on your phone by scaning this QR Code
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the
Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.