alegria vai ser a nossa, n?o é verdade, papae.
--Grande, minha filha, porque é de ti que ella vem.
E deu-lhe um beijo, onde ia impressa a sua alma e o seu amor de pae extremosissimo.
Magdalena foi, porém, a pouco e pouco, perdendo aquella alegria com que havia acariciado Jorge, e tornando-se pensativa, absorta, e como que esquecida de onde estava e com quem estava.
O negro, do extremo opposto da varanda, tinha os olhos fitos n'ella com a avidez de quem parecia estar estudando-a.
Que nuvens, embora tenues, eram as que assombravam melancholicamente aquelle rosto t?o formoso d'aquella mulher anjo?
Que pensamentos lhe agitavam a mente, para que soffresse aquella passagem suave do alegre para o triste?
O cabinda havia-lhe dito que o branco a curaria, e ella pensava n'isso, lembrando-se dos hospedes que ia ter ao jantar, no dia seguinte.
Eram as alvoradas do cora??o; eram os pressentimentos do que ha de vir!
E scismando n'isso, ia esquecendo-se de tudo, quando Jorge a accordou:
--Esqueces o piano, Magdalena?
--N?o, papae; esperava por si.
--Vamos, ent?o.
--Vamos.
E tomou a m?o a Jorge, e recolheram-se ambos alegres e contentes.
Pouco depois, o piano gemia, debaixo dos formosos dedos da filha do cabinda, uma reverie de deliciosissimas harmonias, d'estas que levam presas, nas suas azas, o espirito até ao céo.
Jorge ouvia-a n'um extase.
Sentado nas commodas almofadas d'uma cadeira estofada, tinha os olhos pregados no rosto da filha mimosa, da filha, que era o seu anjo, o seu encanto, a sua vida, a sua felicidade mais completa, mas alava o espirito ás regi?es celestes, nas ondas d'aquella musica, onde, n'uma especie de mystifica??o, estava vendo a sua adorada Beatriz, a esposa queridissima, que a morte desapiedada lhe arrebatára t?o cedo dos bra?os!
O cabinda, no entanto, jazia no extremo da varanda, que deitava sobre o terreiro, dizendo comsigo a meia voz:
--Os brancos veem amanh?; o mulato virá tambem. Cabinda, a senhora mo?a é tua filha!
IV
Vai em meio o jantar, no dia seguinte.
A anima??o é completa, e viva, sincera e espontanea a alegria, que referve em cada conviva.
é que alli n?o ha superiores nem inferiores, n?o ha grandes nem subordinados; ha uma familia festejando os annos do seu chefe estimado e querido, que só como pessoas de familia, olha Jorge para as que tem sentadas em volta da sua meza.
Magdalena preside á festa, como o anjo bondoso e meigo d'aquelle lar, onde só ella é sol, que tudo aquece e vivifica, cuidando pouquissimo de si e tudo dos outros.
Está esplendida de formosura! deslumbrante de encantos!
Tem nos olhos a vivacidade de alegria intima, e os esplendores da belleza d'alma; no rosto a sympathia que fascina, e nos modos a do?ura que captiva.
Veste um vestido de sêda c?r de fl?r d'alecrim, simples, mas elegantemente enfeitado, honesta e delicadamente aberto no seio, onde vem cahir, pendente d'um formoso collar de pequeninas perolas, uma medalha cravejada de brilhantes. Os cabellos, aquelles cabellos negros, t?o feiticeiros, pendem setinosos em lindissimos cachos, ornados apenas d'uma perfumada rosa branca.
Jorge cedeu as honras da festa á filha querida, que occupa a cabeceira da meza, occupando elle o primeiro lugar na face direita, á direita de Magdalena.
Segue-se-lhe o guarda-livros, rapaz de 25 annos, portuguez, sympathico, elegantemente trajado, meigo no fallar e polido nas maneiras.
Do outro lado, em face d'estes, est?o o primeiro caixeiro, mulato brazileiro, de rosto duvidoso, olhar que pouco lhe favorece o caracter, e modos apparentemente delicados, e os outros empregados do armazem, que n?o merecem men??o especial.
Falla-se alegremente; discute-se com placidez.
Magdalena, a todos attende e n?o esquece nenhum. De si é que ella cuida pouco.
Entre os serventes nota-se o cabinda. O negro anda entalado nas dobras d'uma gravata branca, cujo la?o f?ra feito pela sua filha, e veste uma roupa nova de pano preto fino. Anda doido d'alegria, ebrio com a alegria da sua filha.
O negro lan?a todavia, de quando em quando, uns olhares de expressivo despreso ao mulato que janta, e volve-os depois para Magdalena, como que dizendo-lhe:
--Foge d'elle!
O guarda-livros, que se chama Luiz de Mello, e o mulato caixeiro, de nome Americo de Abreu, olham tambem a seu turno para Magdalena e depois um para o outro.
Ella, porém, a formosa filha do cabinda, parece prestar mais atten??o a Luiz, sem que por isso deixe de ser delicada com todos os outros.
Os pratos teem-se succedido, os copos esvasiado algumas vezes, e tanto se tem comido como fallado.
A alegria assentou-se com os convivas á meza d'aquelle festim.
Come?am as sobremezas e v?o principiar os brindes.
Magdalena é a primeira. Está porém, um pouco acanhada em presen?a dos seus hospedes porque tomando o calix, vieram colorir-lhe o rosto duas rosas de purissimo rubor.
--Quero ser a primeira, disse ella, porque sou filha. Brindo aos seus annos, papae.
E levou o calix aos labios, mas mal provou o vinho.
--Acompanho a V. Ex.a, acudiu Luiz, desejando com ardor que d'aqui a muitos annos os possa brindar e festejar, t?o alegre
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