A Filha do Cabinda | Page 3

Alfredo Campos
seu pae os carinhos e os affagos, que havia perdido na sua adorada Beatriz, e em dispensar, dos meios, que lhe abundavam, esmolas aos desgra?ados e pobres.
Jorge dedicava-se aos seus negocios e á felicidade de sua filha, que elle adorava muito, fanaticamente até.
A chacara de Jorge de Macedo era um ninho de delicioso conforto, d'uma belleza invejavel, aonde n?o entrava nunca a sombra d'um desgosto, nem uma nuvem de desharmonia, pequenina que fosse.
Alli, senhores e escravos, brancos e negros, todos viviam em perfeita alegria.
Dos ultimos, porém, o mais querido, o mais estimado, o mais predilecto, sobre tudo de Magdalena, era inquestionavelmente o cabinda.
O negro tambem n?o abusava, e, diga-se a verdade, bem merecia elle de todos, mas de ninguem tanto, como da que elle chamava, e queria, e estimava como filha.
Era por uma tarde de maio, formosa e explendida. O sol doura, ainda, com os seus raios ardentes, os cumes do P?o d'Assucar, da Tijuca, do Corcovado, e a cupula de folhagem variada das arvores gigantes, que vestem os montes em volta do Rio de Janeiro.
Uma brisa, suave, mas tepida, empregnada de perfumes de fl?res e de fructos, perpassa, branda, para o norte, agitando as palmas dos coqueiros e as largas, compridas e pendidas folhas das bananeiras e das palmeiras.
O sabiá trina ainda os seus modilhos deliciosissimos entre a ramagem mimosa d'uma jaboticábeira carregada de fructos, e o beija-fl?r pequenino anda na sua peregrina??o, voluvel sempre, e sempre rapido, deixando beijos nas fl?res brancas do jasmineiro odorifero, ou nas fl?res symbolicas do maracujá, que veste as paredes e os caramancheis dos jardins.
O céo está sereno e limpido.
Ao fundo da chacara de Jorge de Macedo ha um pequeno, mas formoso lago, coberto d'agua, que cáe, em monotono murmurio, da bocca d'um trit?o de marmore fino.
Por traz, encostado ao muro, e voltado ao lago, ha um vasto caramanchel formado de tran?as de cipós e de maracujás, carregadas de fl?res e fructos.
Tem no meio uma meza de granito branco, e em volta assentos inglezes de madeira e ferro, talhados de modo que dêem ao corpo toda a possivel commodidade.
A atmosphera tem a c?r avermelhada dos raios do sol, que desce a esconder-se no mar, e faz brilhar, com c?res phantasticas, as azas, meio diaphanas, das borboletas iriadas, que volitam dos cafezeiros para as goiabeiras, e d'estas para os ramos dos pés d'ara?ás.
Magdalena, a formosa filha do cabinda, jantou e desceu aos jardins; andou só, pensativa, ora alegre, ora rapida, ora vagarosa, de canteiro em canteiro, colhendo pequeninas fl?res, que ia juntando entre as paginas d'um livro, mimosamente encadernado.
Depois, lan?ou, atravez da gradaria de ferro, um olhar ao vapor da carreira, que passava em frente, atravessando o mar para o Rio, volveu-se passado um instante, e seguiu por uma alea, orlada de grandes jambeiros e pés de grumixama, em direc??o ao lago, que jazia no fundo da chacara.
Magdalena era formosa, d'esta formosura, que desperta um culto sincero, uma adora??o em que n?o entra um atomo de sentimentos menos dignos, d'esta formosura, em que se espelha e revela a eleva??o do espirito, a bondade d'alma e a magnanimidade do cora??o.
Aquelles olhos negros, scintillantes, orlados d'uma tenue sombra, e aquelle rosto, t?o expressivamente angelico, estavam mostrando as fl?res de ventura, em que se desataria o seu cora??o e a sua alma, para aquelle que um dia tivesse o supremo goso de a possuir.
Era magestosa no andar, elegante de fórmas, e simples no vestir, mas d'esta simplicidade, que dá realce, que encanta, attráe e enleva.
Como lhe fica bem aquelle vestido alvissimo, de fina cambraia, liso, desguarnecido, apertado apenas na cintura delicada por um grande la?o de sêda azul clara!
Que belleza no modesto penteado dos seus negros cabellos, fartos e setinosos, formando apenas duas compridas tran?as, que, cahindo-lhe pelas costas, se prendem, pela extremidade, uma á outra, ainda por um la?o azul pequenino!
As pombas rolas, que andam aos pares, fallando amores na sua linguagem mysteriosa, levantam v?o com a approxima??o de Magdalena, que as segue depois com a vista, até as perder de todo; mas as borboletas de c?res variadissimas, seguem-a contentes, como se já a conhecessem de ha muito, e andam inquietas, em volta d'ella, ora subindo, ora descendo, como que desejando beijal-a, mas temendo fazel-o, receiando maculal-a.
E ella lá vae vagarosa e muda, lan?ando, de quando em quando, um olhar ás fl?res, que leva prêsas nas folhas do livro, talvez bem querido!
Chegou assim ao lago, debru?ou-se n'elle como procurando vêr os peixinhos dourados, que o habitavam, e foi sentar-se encostada á meza de pedra, n'um dos bancos do caramanchel.
Era expressivo o seu rosto, porque estava desenhando os desejos que sentia dentro de si, e que ella mesma n?o podia comprehender.
Desejos vagos, mysteriosos, indefiniveis.
Conservou-se absorta durante dois minutos, mas como que acordando, depois, d'um sonho que a prendia, tirou as fl?res d'entre as folhas do livro, collocou-as
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