Á hora do crime | Page 5

Francisco Luiz Coutinho de Miranda
exilio, e que t?o mal comprehendeu no poder a sua brilhante posi??o, esperar o rei que é imposto á na??o hespanhola; talvez que em breve, convertido á cren?a democratica, elle vá, general da republica, fazer embarcar no mesmo porto o desvairado mancebo, que t?o facilmente se deixou fascinar peio brilhantismo de uma cor?a, que n?o é sua, e que de certo é pesada de mais para cabe?a t?o jovenil!
IZABEL
(Com receio) E se um tiro trai?oeiro, cortando o ar n'um ermo, vier feril-o, em vez de ferir Amadeu ou Prim?
D. CARLOS
(Sorrindo) Que lembran?a! Em Hespanha o partido mais forte é o republicano, por que é aquelle que tem mais crentes retemperados na fé do martyrio; e por isso o rei e o general, e todo o sequito de Amadeu, e toda a comitiva de Prim, passar?o illesos por entre a indifferen?a publica! O assassinato é um crime, e os republicanos n?o ferem o adversario sen?o no campo convencional da honra, ou no campo franco e aberto da batalha leal!
IZABEL
Sinto que tens ras?o; mas sinto tambem que se me comprime a cora??o nos horrores da duvida; apavoram-me os terriveis presentimentos que me assaltam o espirito!
D. CARLOS
(Offerecendo-lhe o bra?o) Vem commigo destrair-te. é o amor que te faz delirar assim! Vem commigo! (Izabel dá-lhe o bra?o, e saem ambos pela porta leteral).

SCENA IV
*D. Emilio e D. Ramon*
D. RAMON.
(A D. Emilio--do fundo) é infelizmente assim, meu caro Castellar. Desde que aquelles hespanhoes, menos ciosos da velha dignidade castelhana, votaram na constituinte um rei estrangeiro, a minha fé continuou inabalavel; mas a minha esperan?a no futuro diminuiu consideravelmente!
D. EMILIO
E porque, estimavel D. Ramon?
D. RAMON
Porque o mo?o inexperiente; mas ambicioso de certo, que imprudentemente trocou o bem estar e socego, pelos espinhos agudissimos da cor?a d'Hespanha, pode ser um bom rapaz, e é-o decerto; pode possuir um cora??o bem formado, e creio que o possue; pode mesmo desejar abrir na historia nossa patria uma era brilhante de beneficios, de liberdades, de tolerancias; mas é rei, e por mais digno que seja o seu sentir, por mais nobres que sejam as suas aspira??es, h?o de em pouco transformal-o em tyranno, em despota, em liberticida, os aulicos que h?o de cercar-lhe o throno, as camarilhas que h?o de insinuar-se no seu animo para lhe dominar a vontade, os maus cidad?os, emfim, que mais d?o ras?o de ser ao credo republicano, e que todos os dias, e a todas as horas, e em todos os instantes lhe conquistam adeptos, encaminhando os principes pela vereda fatal do erro, impellindo-os cynicamente para o plano inclinado onde se tem despenhado tantos, tantos!... arrastando comsigo as na??es cujos destinos dirigiam!
D. EMILIO
Tem ras?o em seus receios, D. Ramon; mas n?o a tem na sua descren?a! Mau é que um rei venha matar as esperan?as mais fagueiras que o povo hespanhol concebeu, quando, ao grito do triumpho magestoso da revolu??o de Cadix, viu cahir a peda?os o throno apodrecido d'essa mulher, que tanto sangue custou á nossa nobre terra! E peior é que esse rei, imposto á livre e orgulhosa Hespanha, seja um estrangeiro! O nosso proverbial orgulho, esse orgulho indomavel, que tornou sempre respeitados os cavalheirosos filhos d'Hespanha, sente-se ferido de morte na mais vulneravel das suas manifesta??es! Mas que importa isso? Quanto mais o justo orgulho, a nobre altivez de um povo se sente abatida e humilhada, tanto mais violento é o esfor?o supremo que deve dar-lhe a desaffronta, e com a desaffronta a liberdade! Tenha fé no futuro, D. Ramon!
D. RAMON
Fé!... Sei que a sua é viva e sincera, Castellar; n?o ignoro quanto a patria deve á sua dedicada abnega??o e ás suas profundas convic??es; sou o mais enthusiastico admirador desse talento collossal, que assombra a patria, e a Europa, e o mundo; mas sou velho, e na friesa que d?o os sessenta annos, e na impassibilidade filha de uma longa experiencia, vejo as cousas por um prisma tristissimo, fatal! Vejo que quando o italiano f?r o senhor d'este paiz, por mais altivo e orgulhoso que o povo hespanhol seja, o jugo ferreo do despotismo ha de vir em seguida comprimil-o nas cadeias de escravo, e a emancipa??o da patria ficará por isso longamente addiada, porque as hecatombes e as carnificinas h?o de levar o desanimo onde hoje existe o enthusiasmo, h?o de levar a indifferen?a onde hoje vive o amor da patria!
D. EMILIO
(Com gesto sublime) Basta velho! Que o anci?o n?o pronuncie jámais em presen?a de correligionarios seus t?o eloquentes palavras de descren?a! A fé e a esperan?a s?o principios religiosos do christ?o, e devisa inalteravel do democrata! E christ?os, e republicanos somos nós, para que aos nossos ouvidos possam chegar a descren?a e o desespero, apostolados por um dos nossos! Reanima-te, nobre anci?o! soldado velho da liberdade! evangelisador sincero da republica! O futuro, se n?o é risonho e festival, n?o
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