Á hora do crime | Page 4

Francisco Luiz Coutinho de Miranda
minha familia defende, e que eu reputo santa.
MARTINEZ
(Hesitando) Elles pensam em assassinar o rei?
IZABEL
(Com indigna??o) N?o! Os republicanos n?o defendem a inviolabilidade da vida humana para arrancarem covardemente a vida a um homem! Na religi?o democratica respeita-se a virtude, e condemna-se o crime! Os republicanos n?o pensam em assassinar ninguem, porque o assassinato é um crime!
MARTINEZ
Confesso, porém, que as tuas palavras chegaram a inspirar-me um profundo terror! Tinhas dito ha pouco...
IZABEL
é que os republicanos n?o s?o os unicos inimigos do rei! Amadeu tem contra si a má vontade de todos os partidos d'Hespanha; e dos que o repellem, dos que o guerreiam, dos que jámais lhe dar?o tregoas, só os republicanos teem por devisa o horror ao crime, só elles respeitam com dogma o principio da inviolabilidade da vida do homem!
MARTINEZ
Verás que te illudes!
IZABEL
Oxalá!.. E se fosse só o novo rei que me inspirasse receios por ti! E o teu general?!... Ninguem como elle tem hoje um nome mais brilhante na Hespanha; mas ninguem como elle tem mais irreconciliaveis inimigos entre o povo hespanhol! Prim poz a cor?a de Izabel na cabe?a de Amadeu, e nem mesmo os mais encarni?ados inimigos da rainha lhe perdoam que elle lhe derrocasse o throno, para edificar sobre as suas ruinas o throno de um estrangeiro!
MARTINEZ
(Sorrindo) Vejo-me obrigado a fechar a sess?o! Se te embrenhas t?o cegamente no labyrintho da politica, pouco tempo te restará para cuidares dos preparativos da nossa festa nupcial! Pen?a em mim, Izabel; ante-gosa a nossa proxima felicidade, e deixa a teu pae e a teu irm?o o cuidado de vellarem pela patria que elles lealmente amam; e de prestarem cultos á religi?o politica, que t?o nobremente professam. (Vae a sair.)
IZABEL
(Detendo-o) Ent?o sempre vaes?
MARTINEZ
Que fazer? (Consultando o relogio) S?o seis horas e meia... Deve estar a findar a sess?o do Congresso, e tenho de acompanhar o general, que parte hoje em minha companhia, e na de Nandin e Moya, para Cartagena, a fim de esperarmos e acompanharmos a Madrid sua magestade Amadeu 1.o
IZABEL
Vae, vae, meu querido; e oxalá que essa viajem do rei novo me n?o fira de morte o cora??o, onde se abriga um t?o grande amor por ti! Escreve-me, Martinez; escreve-me de todos os pontos onde descan?ares! Olha que se me parte o cora??o n'esta despedida!
MARTINEZ
Socega e espera! Se Deus quiz que nos amassemos tanto, n?o foi de certo para nos fazer infelizes! (Abra?am-se.--Martinez sae pelo fundo.)

SCENA II
*Izabel* (só)
(Triste e encostada á janella) Socega e espera!... Que tranquilidade ha de existir no peito de uma pobre mulher, que vê quasi a despenhar-se no abysmo metade da sua alma! Que esperan?a pode abrigar-se-me no cora??o, se eu vejo Martinez, o meu noivo, o homem que eu amo mais que a minha vida, affrontar indifferente a morte, ao lado d'aquelle pelo qual metade da Hespanha se julga illudida, fazendo parte do sequito do rei que transformou por um--sim--imprudente as esperan?as da patria em illus?es e sonhos, que podem amanh? produzir a guerra civil! (Caindo anniquillada n'uma cadeira) Oh! que infeliz eu sou! Oh! qu?o desgra?ada serei! Condemnada a viver perpetuamente entre os odios mortaes dos correligionarios d'aquelles que mais queridos me s?o no mundo! De um lado o receio da persegui??o dos monarchicos ao pae e ao irm?o que estreme?o! Do outro, o temor da represalia dos republicanos, contra o homem com quem em pouco vou partilhar a sorte, e ao qual de ha muito dei inteiro o cora??o! Oh fatalidade!

SCENA III
*Izabel e D. Carlos*
D. CARLOS
(Do fundo) Estás aqui, minha irm?? N?o te aborrece esta salla? N?o te soffoca a atemosphera que aqui se respira?
IZABEL
N?o!
D. CARLOS
Tu, t?o nova e t?o linda, aspirando o ar t?o pesado d'este recinto de conspira??es?
IZABEL
Sim!
D. CARLOS
Porque n?o vaes antes para os teus quartos? N?o te é mais agradavel a vista risonha do jardim, que tu tratas t?o cuidadosamente, do que o aspecto d'esta salla, onde hoje reside o desespero, onde paira a indigna??o, onde bate por ventura as azas o demonio da vingan?a?
IZABEL
N?o.
D. CARLOS
(Preoccupado) N?o... sim... n?o outra vez!... Que tens tu, Izabel?... Respondes apenas por monosyllabos ás minhas carinhosas interroga??es?... Que tens tu, minha irm??
IZABEL
Nada!
D. CARLOS
Nada, e eu vejo-te os olhos pisados!... Nada, e tu choras!... Desafoga commigo, Izabel!... Teu irm?o ainda tem cora??o para recolher os teus pesares, e amor bastante para te prodigalisar consola??es!
IZABEL
(Com desalento) Martinez... o meu querido Martinez, parte esta noute para Cartagena, em companhia de Prim, que vae ali esperar o novo rei! Comprehendes agora a ras?o dos meus monosyllabos, a causa das minhas lagrimas, origem dos meus pesares?
D. CARLOS
(Tranquilisando-a) E que tem isso? O rei vem; mas isso n?o quer dizer que conseguirá firmar solidamente uma dymnastia! Epoca virá, e talvez pouco distante, em que a na??o lhe indique solemnemente o caminho da sua patria! Se Martinez vae hoje, como ajudante do general, que se disse democrata no
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