Uma família ingleza | Page 9

Júlio Dinis
de juras e exclama??es em todas as linguas.
Seria igualmente difficil determinar o elemento commum dos individuos reunidos alli.
Ha-os das mais diversas condi??es; desde o joven padre, que p?e a tractos a sciencia e a paciencia dos cabelleireiros para disfar?ar, quanto for possivel, os vestigios da tonsura, até o official do exercito, todo possuido das branduras civilisadoras do seculo e para quem a mesma ca?a é occupa??o barbara e afflictiva da sensibilidade; ha-os das mais diversas idades, desde o collegial de hontem, ainda imberbe e embriagado com as primeiras commo??es da vida de adolescente, até o velho, que, ingenuamente persuadido de que o tempo se esqueceu de lhe ir contando os annos, deixa passar a gera??o, contemporanea sua, e insiste em viver, entre rapazes, vida de rapaz; ha-os em diversas circumstancias monetarias, desde o capitalista, que vê correr descuidado a fonte dos seus rendimentos, com tranquillisadora confian?a no inesgotavel manancial que a alimenta até á classe dos encostados, verdadeiros martyres da moda, cuja vacuidade de bolsa lhes constrange a imagina??o a fabricar systemas quotidianos para os manter, embora á custa de humilia??es n'aquella atmosphera, fóra da qual já n?o sabem respirar; ha-os de todos os graus de intelligencia, desde o escriptor applaudido e que, sem favor ou com elle, conquistou reputa??o nas lettras, até o analphabeto, cujas sandices s?o saudadas com gargalhadas que ninguem procura reprimir na presen?a d'elle proprio.
Finalmente, esta reuni?o de elementos, debaixo de todos os pontos de vista t?o heterogeneos, é uma por??o da sociedade, que pretenciosamente se decora com o titulo de elegante e para pertencer á qual é difficil fazer resenha dos requisitos necessarios; pois que nem a propria elegancia--na verdadeira accep??o do termo--é dote generico dos seus membros.
O motivo do jantar... O jantar n?o tinha motivo e era esta outra circumstancia que o caracterisava. Um jantar póde muito bem ser motivo de si mesmo: sendo possivel d'elle dizer-se de alguma sorte, em linguagem philosophica, que tem em si a ?raz?o sufficiente da sua existencia?.
Na companhia encontraremos alguem já conhecido nosso.
E como, até agora, só tenho apresentado ao leitor tres pessoas, n?o será prova de grande perspicacia, da sua parte, adivinhar qual d'essas tres será.
Effectivamente é Carlos Whitestone um dos convivas e n?o dos mais sisudos.
Ficava proximo da cabeceira da mesa. Carlos era quem mais vezes conseguira encaminhar a um fito unico todas as atten??es e modificar a assembleia a ponto de se lhe poder referir o conticuere omnes da _Eneida_;--verdade é que n?o t?o completamente o fizera como o heroe troyano, pois nem tinha destrui??o de Ilion a descrever, nem a paciencia dos tyrios a escutal-o.
Carlos Whitestone passava por estar muito em dia com os boatos comicos e escandalosos, de que sempre e em toda a parte é t?o s?frego o paladar social.
Por isso o escutavam todos com prazer.
Sinto que n?o chegassemos a tempo de ouvir o principio da narra??o, que elle levava em meio.
--O nosso homem--dizia Carlos, accendendo um charuto no de um jornalista; seu vizinho--apesar do aviso que recebera, resolveu na melhor das boas fés...
--Ent?o é a boa fé dos maridos--commentou a meia voz um padre, que, atrazado nas opera??es gastronomicas, investia com denodo contra um tymbale de pombos, ainda miraculosamente intacto, e acrescentou:--N?o sei de outra, que a exceda.
--Regula por essa a dos amantes ingenuos--acudiu Carlos ao commentario.
--Mas é de menos consequencias--respondeu o outro.
--Silencio, padre Manoel!--bradaram algumas vozes--Vamos lá, Carlos; e depois?
--Depois--proseguiu Carlos--enfeitou-se, perfumou-se, aparamentou-se, frisou-se...
--E tingiu-se; que n?o esque?a--acrescentou do fim da mesa uma voz.
--E tingiu-se; sim--disse Carlos--e feitos todos estes aprestos, caminhou para a entrevista.
--E como se realisava essa entrevista?--perguntou um militar.
--De uma maneira muito singular;--proseguiu Carlos--o conselheiro, todas as noites, depois de pousar na relva o chapéo, a bengala e as luvas, trepava como um eschilo, pela faia que fica junto da varanda e...
--Ora! Impossivel!--exclamaram alguns, rindo.
--Palavra!
--Isso é contra todas as leis da mechanica, aquelle bojo...--principiou a dizer um estudante da Universidade.
--Pelo contrario;--atalhou outro--é exactamente o bojo que o faz subir. Lembra-te do principio de Archimedes. Os aereostatos...
A quéda do conselheiro seria uma bella experiencia para um curso de physica...
--Divertida...--annotou uma voz.
--Como exemplificando as leis da quéda dos graves... um t?o grave personagem--concluiu o primeiro.
Estes sujeitos guindavam o calembourg ao supremo grau da escala do espirito.
--Ent?o? deixem fallar Carlos; e depois?--disseram alguns curiosos.
Carlos continuou:
--N'aquella noite, porém, estava reservada ao conselheiro a mais triste surpreza; ao entrar na espessura da folhagem, deu de cara com o outro.
--Com o Victor?
--Exactamente, com o Victor. Imaginem agora vocês o soberbo dialogo, que se seguiu ao encontro.
--Devia ser preciosissimo! Que harmonioso certame de rouxinoes!
--O conselheiro principiou talvez por dizer-lhe:
_Tytire, tu patul? recubans sub tegmine fagi Formosam resonare doces Amaryllida silvas_
--Protesto contra o recubans. A posi??o de Victor era menos commoda.
--Mutatis mutandis, já se sabe.
--ó padre Manoel, dize-nos como a tua latinidade exprimiria a posi??o em que estava o Victor.
--N?o interrogues o padre. N?o vês
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