de aver.
Cozo com linho assedado,
Encerado a cada ponto;
Cozo meudo
sem conto,
Que assim o quer o calçado.
Se vier algum avizado
Requerer algumas solas,
Eu as corto sem
bitolas,
E logo vai sobresolado.
Tambem sou official:
Ás vezes cozo com vira,
E sei bem como se
tira
O ganho do cabedal.
Se vier algum zombar
Fazer me qualquer pergunta,
Dir lhe hei,
como se ajunta
A agulha com o dedal.
Minha obra he mui segura
Porque a mais he de correia,
Se a alguem
parecer feia,
Naõ entende de costura.
Eu faço obra de dura,
E não ando pela rama,
Conheço bem a
courama,
Que conve[m] á creatura.
Sei medir, e sei talhar,
Semque vos assim pareça:
Tudo tenho na
cabeça,
Se o eu quizer usar.
E quem o quizer grozar,
Olhe bem a minha obra,
Achará, que inda
me sobra
Dous cabos pera ajuntar.
Sempre ando occupado
Por fazer minha obra boa,
Se eu vivera em
Lisboa,
Eu fôra mais estimado.
Contente sou, e pagado
De lançar um so remendo,
Indaque estem
remoendo,
Não me toquem no calçado.
SENTE BANDARRA AS MALDADES DO MUNDO, E
PARTICULARMENTE AS DE PORTUGAL.
I.
Como nas Alcaçarias
Andão os couros ás voltas,
Assim vejo
grandes revoltas
Agora nas Clerezias.
II.
Porque usão de Simonias
E adorão os dinheiros,
As Igrejas,
pardieiros,
Os corporaes por mais vias.
III.
O sumagre com a cal
Faz os couros ser mociços,
Ah! quantos ha
máos noviços
Nessa Ordem Episcopal.
IV.
Porque vai de mal a mal
Sem ordem nem regimento,
Quebrantaõ o
mandamento,
Cumprem o mais venial.
V.
Tambem sou Official
Sei um pouco de cortiça
Não vejo fazer
justiça
A todo o Mundo em geral.
VI.
Que agora a cadaqual
Sem letras fazem Doutores,
Vejo muitos
julgadores,
Que não sabem bem, nem mal.
VII.
Borzeguins pera calçar
Haõ de ser de cordovães,
Notarios,
Tabaliães
Tem o tento em apanhar.
VIII.
Vêlos heis a porfiar
Sobre um pobre seitil,
E rapar vos por um mil
Se volos podem rapar.
IX.
Tambem sei algo brunir
Quaesquer laços de lavores:
Bachareis,
Procuradores
Ahi vai o perseguir.
X.
E quando lhe vão pedir
Conselho os demandões,
Como lhe faltão
tostões,
Não os querem mais ouvir.
XI.
Há de ser bem assentada
A obra dos chapins largos,
A linhagem dos
Fidalgos
Por dinheiro he trocada.
XII.
Vejo tanta misturada
Sem haver chefe que mande;
Como quereis,
que a cura ande,
Se a ferida está danada?
XIII.
Tenho uma gentil sovela,
Com que cozo mui direito:
Se a mulher
não desse geito,
Não olharião pera ella.
XIV.
Em que seja uma donzella
Nobre, casta e oradora
Ella he a
causadora,
Do que acontecer por ella.
XV.
Sei tambem mui bem cozer
Uns borzeguins Cordovezes;
Todos os
trajos Francezes
Quemquer os quer ja trazer.
XVI.
Os que não tem que comer
Fazem trajos mui prezados,
Ficão
pobres, Lazarados
Por outros enriquecer.
SONHO PRIMEIRO,
_Que finge a modo Pastoril._
XVII.
Vejo, vejo; direi, vejo,
Agora que estou sonhando,
Semente d'el Rei
Fernando
Frazer um grande despejo.
XVIII.
E seguir com grão desejo,
E deixar a sua vinha,
E dizer esta casa he
minha
Agora que cá me vejo.
XIX.
A cerca dos Grecianos
Corrê la hão os Latinos,
Serão contrarios os
signos
A todos os Arrianos.
XX.
Tambem os Venezianos
Com as riquezas que tem,
Virá o Rei de
Salem
Julgá los ha por mundanos.
XXI.
Ja os lobos são ajuntados
Dalcatea na montanha,
Os gados tem
degolados,
E muitos alobegados,
Fazendo grande façanha.
XXII.
O Pastor mor se assanha:
Ja ajunta seus ovelheiros,
E esperta sua
companha
Com muita força, e manha
Correrá os pegureiros.
XXIII.
Depois ja de apercebidos,
E as montanhas salteadas
Por homens
muito sabidos,
E pastores mui escolhidos,
Que sabem bem as
pizadas.
XXIV.
Armar lhe hão nas passadas
Trampas, cepos de azeiros,
Atalaias nas
estradas,
E béstas nas ameijoadas
Com tiros muito ligeiros.
FIGURAS DO SONHO.
XXV.
Virá o Grande Pastor,
Que se erguerá primeiro,
E Fernando
tangedor,
E Pedro bom bailador,
E João bom ovelheiro.
XXVI.
E depois um Estrangeiro,
E Rodoão que esquecia,
E e o nobre
pastor Garcia,
E Andre mui verdadeiro:
Entraraõ com alegria.
PASTOR MOR.
XXVII.
Aquella vacca, que berra,
Porque está assim berrando?
ANDRE.
XXVIII.
He porque desce da serra,
Não conhece bem a terra,
E por isso está
bramando.
XXIX.
Esta he a vacca, Fernando,
Mai do grão touro fuscado,
Que não se
acha neste bando,
Tem razão de estar berrando,
Que não sabe onde
he lançado.
PASTOR MOR.
XXX.
Ajunte se o vaccum
Aqui neste verde prado,
E tambem o ovelhum,
E conte o seu cadaum,
Ver se ha a quem falta gado.
PEDRO.
XXXI.
Todo ja tendes contado,
Do vaccum achamos menos;
Um touro
esmadrigado,
E um fusco, que era rozado;
Do ovelhum nada
sabemos.
PASTOR MOR.
XXXII.
Oh! que dor do coração!
Oh! que dor! Oh! que pezar!
Oh! que grão
tribulação!
Arredemos a paixão,
Pois se não pode cobrar.
XXXIII.
Seus filhos devemos criar,
Os quaes mui bem guardaremos,
Ficaraõ
em seu lugar,
Tudo lhe havemos de dar
Pelo bem, que lhe
queremos.
XXXIV.
Por honra de tal memoria
Não haja aqui mais tristura,
Antes
cantemos com gloria,
Que fique sempre em memoria
Approvando a
Escriptura.
XXXV.
Pois se cumpre a figura,
E nós outros bem o vemos:
Pois que ja
tudo se apura,
Ao Senhor da altura
Com prazer mil graças demos.
XXXVI.
Tanja se a frauta maior,
Ajunta se todo o rebanho,
E eu como vosso
Pastor,
Com mui grão sobra de amor
Vamos a partir o ganho.
XXXVII.
Tudo nos he sufraganho
Montes, valles, e pastores,
E repunhão os
bailadores,
Que não entre aqui estranho.
XXXVIII.
Fernando tanja a guitarra,
Tu, João, o arrabil,
Pouza teu surrão, e
vara,
Alegra
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