interessavam nada. O que eu queria era a vida, a historia, os soffrimentos, a poesia d'aquella mulher. Eu tinha lido, dias antes, n?o sei que romance, onde vira uma mulher assim...
Appareceu um taboleiro com a c��a. O abbade fez o prato de D. Amelia. Era uma aza de gallinha, que elle mesmo lhe serviu.
Valladares tambem comeu do pucaro da doente. Eu, com o abbade, entramos corajosamente n'um coelho guisado, cuja retaguarda cortamos com um excellente caldo verde, e lourejantes castanhas assadas com manteiga.
No fim, demos gra?as a Deus.
O padre, segundo o seu costume, foi sentar-se �� cabeceira de sua cunhada. Eu e Valladares entramos n'um quarto commum.
VII.
O academico tinha uma physionomia franca e insinuante. Conversava comigo sem desdenhosa superioridade. Familiarisamo-nos depressa, como dous futuros companheiros de casa em Coimbra.
Eu fui um grande fallador, n'aquella idade, em que pensava menos. O meu recente amigo sympathisou com a minha garrula eloquencia, e dava signaes de desenfado, quando naturalmente dev��ra querer dormir, depois de uma fatigante jornada, em dia de neve.
Eu n?o era rapaz que, por delicadeza, calasse a minha curiosidade a respeito de D. Amelia.
--O senhor faz-me o favor de me dizer uma cousa?--disse eu.
--Que ��? quantas horas s?o?... s?o 10... quer dormir?
--N?o, senhor: queria saber quem �� esta snr.^a D. Amelia?
--�� cunhada do padre, e casada com um sujeito, delegado em * * *.
--Isso j�� eu sabia... pouco mais ou menos.
--Ent?o sabe tanto como eu...
--Mas �� d'aqui d'esta ald��a esta senhora? Creio que ouvi dizer que era de Lisboa.
--�� verdade... nasceu em Lisboa...
--E como veio parar aqui n'este matagal? Naturalmente perdeu-se, como eu, na serra, por causa da neve, e veio c�� bater, e c�� ficou! Pois eu dou-lhe a minha palavra de honra, que apenas vir luzir o buraco, retiro-me sem mais ceremonias d'este delicioso covil de cabras.
O meu amigo ria-se. Estava disposto a achar-me gra?a, e o leitor p��de tambem rir-se, se lhe aprouver.
E acrescentou ao sorriso:
--Parece-lhe impossivel que a tal senhora viesse de Lisboa para aqui sem ser impellida por um acaso?
--De certo... J�� n?o admira que ella tenha tosse de tisica... O que me espanta �� ella viver, se c�� est�� desde hontem!... Quando veio ella?
--Ha dous annos.
--Ent?o �� eterna... ou santa. Hei-de dizer que encontrei esta martyr a uma minha tia, que �� capaz de jurar que a viu fazer milagres...
--O menino �� sarcastico! Se o n?o visse t?o inclinado a rir-se de cousas serias, contava-lhe uma historia triste...
--E eu gosto muito de historias tristes... Ver�� que me n?o rio, quando me dizem alguma cousa que me toque o sentimento. A minha familia chama-me poeta; os visinhos chamam-me tolo; n?o sei bem o que sou; mas o que n?o sou �� insensivel... V��... j�� n?o tenho vontade de gracejar... Conte-me agora a historia, que eu prometto contar-lhe outra que me fez chorar, porque �� uma passagem t?o infeliz, que, se eu fizesse novellas, escrevia uma.
--Talvez as escreva no futuro...
--Eu?... Deixe-se d'isso... O meu mestre de logica diz que eu sou um alarve, e o de rhetoria j�� me mandou ser aprendiz de alfaiate... N?o tenho habilidade nenhuma. O meu gosto �� l��r os sonetos do abbade de Jazente, e as quintilhas do Nicolau Tolentino. N?o sei mais nada, nem quero saber... Vamos �� historia, sim?
--Ent?o aproxime-se de mim, que eu quero fallar baixo. Mas, antes de mais nada, promette n?o contar a ninguem o que vou dizer-lhe?
--Pois �� segredo!
--��.
--Prometto...
--Pois ahi vai.
VIII.
--Esta senhora viveu em Lisboa at�� aos dezeseis annos. Hoje o mais que p��de ter s?o vinte e dous.
--S��?! Eu calculava trinta e tantos bons, como diz minha tia, quando quer fazer todas as pessoas mais velhas que ella.
--Pois deixemos l�� sua tia, que deve ser, pouco mais ou menos, como todas as tias... Vamos com a nossa historia, e depressa, sen?o adorme?o, e o meu curioso amigo perde a occasi?o de saber quem �� a snr.^a D. Amelia...
--Isso de modo nenhum--atalhei eu com sobresalto--Prometto n?o interromper a historia.
--Pois bem. O pai d'esta senhora morreu em Lisboa, e o conselho de familia deliberou que a orph? viesse para a provincia, onde tinha tios, e o seu patrimonio em quintas.
Quando appareceu em * * *, os rapazes fizeram-lhe montaria, e disputaram a primazia no namoro. D. Amelia n?o aceitava, nem repellia a c?rte de nenhum. Tinha o mesmo riso para todos, e fallava a todos com a mesma delicadeza.
Havia alli um rapaz que n?o frequentava a sociedade de Amelia, porque n?o frequentava sociedade nenhuma. F?ra educado em Genova, viera de l�� aos quinze annos, vivera no Porto at�� aos vinte e cinco, e quando recolheu �� provincia, d'onde sahira de tres annos, com a sua familia que emigr��ra em 1828, ninguem o conhecia, e elle mesmo n?o queria conhecer ninguem.
Chamavam-lhe celebre, exquisito, excentrico, orgulhoso, impostor, e n?o sei que muitas outras lisonjas do charco de certos espiritos,
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