Scenas Contemporaneas | Page 6

Camilo Castelo Branco
D. Miguel, e alguns, sen?o todos, de D. Sebasti?o. A familia de C?rte-Real é ultra-liberal, odeia os realistas com aquelle odio saturado na emigra??o, e n?o admitte honra, intelligencia, nem merecimento em homem que n?o fosse capaz de cortar as orelhas a um miguelista, se elle estiver por isso. Já vê que as duas familias detestam-se. De parte a parte no momento em que as rela??es de Amelia com C?rte-Real fossem percebidas, imagine o meu amigo que n?o hiria!
--Ent?o elles namoravam-se?
--Pois eu n?o lhe disse já que sim?
--N?o, senhor: disse-me que Amelia passeava repetidas vezes no cemiterio para vêl-o, mas que n?o o via muitas vezes. Eu queria saber como se encontraram... porque... desejo saber como é que a gente póde sahir d'um encontro d'esses!... N?o ha muito que me vi entalado com um d'esses encontros... Eu tinha o recado na ponta da lingua, e, quando vi a mocetona, que n?o era cousa de atarantar um estudante de logica, pegou-se-me a lingua ao céo da bocca, como diz n?o sei que poeta... vox faucibus hoesit... Que lhe disse elle quando a viu?
--Isso é que eu n?o sei, porque n?o ouvi. O que sei é que se fallavam por cartas, e entretiveram assim rela??es seis mezes. Por fim, descobre-se o namoro. C?rte-Real fallava da rua para a janella com Amelia: um tio d'ella é avisado; espera-o no pateo, com a porta fechada, e, quando elle principia a dizer bellas cousas, o tal bruto abre a porta, e descarrega-lhe quatro bordoadas, que o pozeram fóra do combate. No dia seguinte, mandou-lhe a casa a capa, o chapéo, e uma clavina, que f?ra tres vezes batida á queima roupa do tal varredor de feiras.
--E depois?
--D. Amelia, duas horas depois, foi mandada entrar n'uma liteira, e conduzida a casa d'este padre.
--Para que?
--Para ninguem saber o seu destino, em quanto vinha de Lisboa, onde ella tinha o conselho de familia, uma ordem para ser recolhida a um convento.
--E C?rte-Real que fez?
--Curou as feridas da cabe?a, e indagou o destino de Amelia. Como o n?o soube, cahiu n'uma melancolia profunda, teve accessos de loucura, e, pelo que o senhor me disse, está hoje no hospital de Rilhafolles.
--E Amelia casou-se?
--Pois no casamento é que está o interessante da historia.
Quinze dias depois da sua vinda para aqui, chegou de Coimbra o irm?o do padre. Parece que sentiu por Amelia o que era muito natural que sentisse. Amou-a, mas n?o ousou declarar-se, porque sabia os precedentes, que a trouxeram a esta casa. Ella, por si, tractava-o com a fria delicadeza da indifferen?a, até ao momento, em que recebeu de uma sua tia a noticia de que viera ordem do conselho de familia para ser conduzida a Lisboa, e lá recolhida em um convento.
Lida a carta, Amelia offereceu-se como esposa do bacharel. O imprudente sem mais nem menos, aceitou a offerta. Alcan?ou do arcebispo dispensa de banhos e consentimento do tutor: o irm?o, sem consultar a philosophia, a religi?o, e a consciencia, casou-os. Na tarde do dia das bodas, chegou a liteira que devia levar a orph? a Lisboa. Amelia apresentou-se a seu tio com um desdenhoso sorriso, e disse: ?N?o tenho duvida nenhuma em hir para Lisboa, e para um convento, mas é necessario que meu marido vá comigo.?
--Seu marido!--exclamou o tio estupefacto.
--Meu marido... aqui lh'o apresento.
XII.
--Dias depois, esta victima dos seus caprichos, cahiu doente. O medico capitulou-lhe a enfermidade de tisica no primeiro grau. O marido arrependeu-se muito cedo. Ella n?o se arrependeu, porque sabia que dava um passo que devia matal-a. E, com effeito, está alli... está morta...
...Ahi vem ella e o padre... Fallemos d'outra cousa... ........................................................................... ...........................................................................
CONCLUS?O.
Um anno depois, em Coimbra, dizia-me Valladares:
--Olha que tive carta do abbade de Alpedrinha. D. Amelia morreu, e as suas ultimas palavras ao marido foram estas: MORRO POR CAPRICHO.

UMA PAIX?O BEM EMPREGADA.

UMA PAIX?O BEM EMPREGADA.
I.
O meu amigo Valladares, em uma tarde formosa, passeando comigo no Penedo da Saudade, sentou-se, accendeu um cigarro com perfei??o academica, abriu a carteira, e recitou-me os versos, que, um anno antes, me recitára em Alpedrinha.
--Lembras-te?--disse elle.
--Perfeitamente. Prometteste contar-me ent?o uma historia.
--Vou cumprir a promessa.
--E disseste que o teu conto prendia muito com aquella casa.
--Disse, e vaes vêr porque. Olha que eu n?o vou fazer estilo. Prepara-te para uma narra??o simples, e clara. N?o perten?o á escóla dos nossos lapidarios de palavras, que nos dizem em estilo de Corneille as scenas comicas de Moliere. A minha historia, se tal nome lhe cabe, é uma tragedia com muitas scenas de far?a. Ainda que me n?o vejas rir, tens a liberdade da gargalhada. Ahi vai:
Em 1843 fui á feira do Santo Antonio a Villa-Real. Encontrei ahi uma familia que mora uma legua distante de minha casa. Compunha-se d'uma senhora idosa, que era m?i d'um cavalheiro, e este cavalheiro era pai d'uma bonita mulher, que teria dezoito annos. Gostei
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