Salmos do prisioneiro | Page 8

Jaime de Magalhães Lima
a noite murmura a sua paz e acorda em seu mist��rio as ora??es que nos prendem a Deus e aos seus mandados e nos revelam aquilo que sustenta o cora??o, quanto o eleva e quanto o enternece, quanto lhe abranda a m��goa e o incendeia, e quanto o arrasta exangue em seus lamentos--nessa hora bemdita, �� paz da noite e �� sua reden??o respondeu o alvoro?o e o sacril��gio de multid?es perdidas no torpe ardor de indignas cobi?as. Abandonadas �� sordida torrente da impiedade, onde se afoga a candura e a f�� e toda a ess��ncia que em nossos cora??es renova e alenta a imagem e a vontade do Senhor, e do mundo nos ergue a ��sse seu reino de amor e de perd?o e de pureza, ignoram a noite e o seu consolo. Impenitentes reprobos, profanam o divino sil��ncio emquanto escutam o rouco clamor da perdi??o.
E a noite, que orvalhou a bonina e acalmou os ramos agitados da floresta e adormeceu o rebanho e o seu pastor, que soltou mais clara a voz das ��guas e fez crescer a sombra da montanha, cingindo-a de grandeza e fortaleza, e compassiva veiu mansamente a resgatar de penas e trabalhos os vilares e casais afadigados, prostrados da canseira que d�� o p?o--a noite, o arauto sagrado do sil��ncio, sua m��stica s��rva e confiada, sentindo que uma chama infernal a prostitue e no seu crepitar a martirisa, chorou amargamente o desvairo infiel que, ultrajando o sil��ncio, o aborreceu na inj��ria que o trocou pelo rumor da cidade enlouquecida.
Ouvi chorar a noite atrai?oada porque uma orgia atroz afugentou o seu supremo bem e companheiro que a inspira e lhe diz salmos divinos, o sil��ncio que ela ama e �� o seu esposo. E ent?o, ferida e dorida, me prendeu em compungidos la?os da sua m��gua, apertados e estreitos, como aqueles, bemvindos e queridos, que eu senti quando a vi, docemente, a proteger a bemaventurada terra a que trazia seus carinhos de sombra e de mudez.
XVI
Mal me aparta da esperan?a o desengano, logo vem a prender-me nova esperan?a de trazer a esta terra e v��r perfeitos os infinitos sonhos da minha alma, ��sses que por Deus sonho e Deus me d��.
De cada m��goa me levanta e ergue, suave e doce e caridosamente, o despontar da estrela da alegria, vis?es que vem dos c��us a ilumin��-los. Em toda a queda me protege e amp��ra um eterno poder de fortaleza que me afoita e me manda caminhar. Onde vem desenganos desfazer desditosas venturas que find��ram, o seu cutelo �� aquela d?r sagrada que em um s�� golpe d�� a morte e nos reanima, que ao mesmo tempo �� pena e �� a indulg��ncia, que da pr��pria amargura tira alentos para imp?r a servid?o de nova esperan?a. Onde, inclemente, o desengano ferindo-me me terminou enlevos e encantos que uma s��bita treva escureceu, a�� mesmo me mandou o seu socorro, seus anjos bons que acendem nova luz para me guiar na estrada e transportar-me aos reinos em que a esperan?a �� a salva??o.
Sem condi??es, rendi-me ao desengano. Divino portador de muitos bens, j�� n?o o temo se vem ao meu encontro, pois nunca me mentiu e, se me punge, �� para dar o meu sangue a nova esperan?a, e nessa esperan?a me alongar a vida, e alongando-me a vida me ensinar o amor do Senhor de que ��le �� escravo.
XVII
Adormeci na escurid?o da noite--cobria-me o luar quando acordei. Na tr��va se esva��u a consci��ncia--restituiu-ma a luz vinda dos c��us!
A fadiga do dia, as canseiras e penas que atormentam a vida descontente porque o mundo lhe combate e lhe oprime a aspira??o; os sonhos de bondade malfadados, ru��ndade que escarnece da do?ura, ast��cia que injur��a a candidez, desam?r que responde ao bemquerer, ostenta??o preterindo a singeleza, a jactancia suprindo a descri??o, a pureza entre lagrimas tra��da, a pobreza arrastada em seus andrajos e a mentira orgulhosa em seus fulgores; pervers?o, crueldade, a fome e o ��dio disputando os retalhos miserandos da riqueza mortal que a terra d�� e �� qual chamam os seus bens ��sses escravos que outros bens da alma nem sequer suspeitam, no mesmo trilho em que a cubi?a os leva--todo ��ste amargor que o passar de cada hora nos distila, o dorido bater do cora??o que em calv��rio de amor verte o seu sangue, ��sse era meu algoz e companheiro quando a noite desceu e se cerrou. Assim me adormeceu imerso em m��goa, e assim eu confiei meu desalento �� treva e �� inconsci��ncia, sem outra esperan?a que n?o fosse aquela de mais sofrer ainda e despertar mais forte para o sentir e para o servir, para mais longe arrastar a minha cruz.
Quando acordei, por��m, sorria a terra no vestalino alv?r que era o seu v��u.
E disse-me a brancura do luar:
--?Emquanto, exausto, tu adormeceste e abrandaste na
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