Raios de extincta luz | Page 3

Antero de Quental
com outros rapazes, E?a de Queiroz, Jayme Batalha Reis, inaugurou em 1871 as _Conferencias democraticas_ do Casino, mandadas encerrar pelo ministro marquez d'Avila.
N'estes dous actos Anthero foi impellido, caindo outra vez na apathia de onde nunca mais saiu, promettendo apezar de tudo vir a publicar um _Programma para os trabalhos da Gera??o moderna_. Por occasi?o da encyclica de Pio IX proclamando o Syllabus, e por occasi?o da revolu??o de Hespanha em 1868, Anthero de Quental publicou dous opusculos, mais para mostrar as suas aptid?es de folliculario do que a vista clara e o seguro juizo dos acontecimentos. A sua doen?a moral tornava-se uma les?o physica, accentuando-se a sua doen?a nervosa em 1874.
Na impossibilidade de toda a ordem de trabalho, mas carecendo de occupar a imagina??o no meio dos seus soffrimentos, Anthero de Quental ia dia a dia burilando um ou outro soneto, em que dava express?o ao estado moral em que se achava; os amigos foram colligindo estes sonetos, vindo ao fim de algum tempo Oliveira Martins a formar um precioso volume de que elle mesmo foi o editor carinhoso. Fez a esse livro uma introducc?o vaga sobre inten??es buddhicas e intui??es nirvanicas, mas n?o nos deu a nota viva do poeta. Os _Sonetos_ de Anthero produziram uma forte impress?o, n?o s�� pela profundidade dos sentimentos como principalmente pela perfei??o esmeradissima da f��rma; porque os versos das _Odes modernas_, na express?o das paix?es revolucionarias, eram pouco plasticos, e revelavam mais o philosopho do que o artista.
Nos _Sonetos_ Anthero transfigurara-se. O Dr. Storck, que acabava de traduzir em bellos versos para a lingua allem? a obra completa de Cam?es, ao receber um exemplar dos _Sonetos_ de Anthero fez a alta consagra??o de os traduzir para essa lingua eminentemente philosophica. Para acompanhar a sua traduc??o pediu o Dr. Storck a Anthero algumas notas biographicas; em carta de 14 de Maio de 1887 escreveu o poeta uma especie de Autobiographia que vem junto dos _Sonetos_. �� um documento importante, n?o pelos dados biographicos, que s?o vagos e exagerados, mas pelo alcance psychologico, porque pelas phrases com que Anthero se glorifica dando-se como o estyl��sta dotado com o _dom da prosa portugueza_ e o _porta-estandarte das ideias_ em Portugal, v��-se que obedecia a uma certa vesania mental, que lhe motivava fundas decep??es e terriveis desalentos. N'esta phase de espirito, Anthero caiu debaixo da influencia de Oliveira Martins, que n?o foi mais saudavel do que a de Germano Meyrelles. Oliveira Martins tinha sido um dos seus?collaboradores na organisa??o democratica e socialista em Lisboa, quando publicava a _Republica_ e o _Pensamento social_; mas um dia abandona o seu ideal, e filia-se em um esgotado partido monarchico a que pretendeu ir levar vida nova. Foi esta apostasia uma desillus?o para Anthero; soffreu-a calladamente, pedindo aos amigos que lhe n?o fallassem n'isso. Vivia ent?o em absoluto isolamento em Villa do Conde, onde era visitado como um pontifice. Em Janeiro de 1890 deu-se o facto brutal do _Ultimatum_ do governo inglez sobre a quest?o africana; da natural reac??o do sentimento nacional contra este acto de selvagismo diplomatico, nasceu no Porto o movimento de agremia??o da _Liga patriotica do Norte_.
Para dar aos espiritos uma certa unifica??o moral, lembraram-se do nome de Anthero de Quental; foram buscal-o a villa do Conde, e conseguiram interessal-o pelo movimento nacional. Prezidiu a alguns comicios e a sess?es preparatorias da _Liga patriotica do Norte_; mas o poeta n?o conhecia a mechanica das assembl��as parlamentares, foi facilmente envolvido por todos aquelles que procuravam desnaturar um movimento t?o saudavel, e por fim quando a _Liga patriotica_ se dissolveu com o mais escandaloso fiasco, Anthero de Quental retirou-se �� sua impotencia, ferido com um desalento mortal. A data do seu testamento em 9 de setembro de 1890 revela que elle j�� pensava em acabar com a existencia. A dissolu??o dos caracteres dos seus contemporaneos de Coimbra mais o desalentava; partira para a ilha de S. Miguel em Julho de 1891, e a falta de interesse e o tedio de aquella solid?o augmentada pela mesquinhez da vida de Ponta Delgada, determinou a fatal resolu??o de 11 de setembro, em que se suicidou com dous tiros de rewolver na bocca. Foi uma existencia verdadeiramente desgra?ada; n?o se revelou com a pujan?a que possuia. Herdeiro de uma terrivel nevrose, n?o teve a ventura de deparar uma doutrina moral, uma philosophia que lhe fortificasse o espirito; pelo contrario, as suas leituras de Schopenhauer, e a cultura do ideal pessimista em que se enlevava artisticamente, incutiram no seu espirito a ideia do suicidio que involuntariamente se tornou effectiva. A sua obra �� mais um documento psychologico do que um producto esthetico; e n'este sentido ser�� estudada e confrontada com a de outros genios egualmente desgra?ados.
CARTA AUTOBIOGRAPHICA
*DIRIGIDA AO PROFESSOR WILHELM STORCK*
Traductor dos _Sonetos completos_
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