Portugal e Ilhas Adjacentes | Page 2

F. Adolfo Coelho
do que
elle sabe, do que elle pensa e do modo por que elle sente, sabe e pensa
e apreciar ainda sobre dados seguros o grau da sua energia volitiva,
fazer emfim a sua psychologia ethnica (não receamos empregar essa
expressão, embora objecto de ardentes criticas).
Para tornar possiveis esses estudos, cujo programma completo está
sendo preparado, é necessario, entre outros elementos, o conhecimento
cabal de todos os dados materiaes da vida do nosso povo, dos que lhe
ministra immediatamente a natureza em cujo seio se move e dos que
são producto da sua apropriação, do seu trabalho. A colleccionação
desses dados é um primeiro e grande passo a dar para a realisação do
estudo ethnologico do nosso povo. Dois meios se nos offerecem para a

levar a effeito: a organisação de um museu de ethnographia nacional e
as exposições. A existencia de um similhante museu está decretado;
mas não torna inutil as exposições, onde poderão apparecer elementos
de difficil acquisição que os estudiosos tenham, durante tempo
sufficiente, ao seu alcance. De outro lado essas exposições facilitarão o
enriquecimento do museu.
A antiga philosophia punha acima de todos os preceitos o expresso nas
palavras [Grego: gnôthi seauton], conhece-te a ti mesmo. O
pensamento moderno declarou que o objecto de estudo mais digno do
homem é o proprio homem. Qual poderá, pois, ser o estudo mais digno
de um povo senão o estudo de si proprio?
Se nelle ha evidentemente para nós aspectos profundamente
desconsoladores, ha-os porventura tambem fortificantes.
Viajantes que têem percorrido o nosso territorio poseram em relevo as
boas qualidades nativas do nosso povo em contraste com a corrupção
das classes dirigentes e basearam sobre essas qualidades a esperança da
nossa futura regeneração. Mas ao povo falta a fé, falta a firmeza da
resolução que só nasce do espirito sufficientemente esclarecido ácerca
dos seus deveres e dos seus direitos; falta-lhe portanto a vontade
collectiva: elle agita-se apenas dentro do circulo dos interesses
individuaes, familiaes e locaes; é a materia prima de um povo e não
verdadeiramente um povo como a complexidade da vida moderna exige
que seja. Dahi o indifferentismo pela politica, a venalidade do voto, a
emigração, a falta da ideia nitida e do sentimento firme da patria e da
humanidade, que um vago patriotismo não póde substituir.
No momento historico actual da nossa nacionalidade achâmo-nos numa
alternativa que não póde prolongar-se muito tempo: ou continuâmos a
acceitar o systema de governação espoliativa que levou o país ao fundo
abysmo em que se acha, para favorecer individuos, ou tratâmos de
elevar pela educação o povo á noção da vida collectiva, dos interesses
geraes e ideaes, de salvar para uma vida historica um povo que mostrou
pelos factos que vamos commemorar em 1897, ser digno de occupar
logar proeminente no convivio das nações.

Que todos os que têem em si uma particula do fogo sagrado, que se
chama dedicação pelas nobres causas, se reunam e dêem as mãos e
consagrem á obra do renascimento nacional, pela educação do povo.
Estudar o povo é já eleval-o, é preparar o caminho para acudir ás suas
necessidades moraes, intellectuaes, technicas e economicas.
Eis porque propomos como elemento da celebração do centenario da
primeira viagem de Vasco da Gama á India, uma exposição
ethnographica portuguesa cujo programma vamos esboçar.

IDEIA GERAL DA EXPOSIÇÃO ETHNOGRAPHICA
PORTUGUESA
Esta exposição comprehenderá sobretudo objectos materiaes proprios
para dar ideia da vida do povo português (Portugal e ilhas adjacentes)
no que elle tem de proprio, de caracteristico e tradicional, embora
resultado de assimilações realisadas ha mais ou menos tempo.
Excluem-se em geral portanto todos os materiaes e productos de
introducção ou imitação recente, todos os typos modernos de
construcção, de vestuario, de ferramentas e machinismos.
Trata-se principalmente de fazer representar os elementos da vida do
povo, das classes trabalhadoras, em especial das regiões ruraes.
Ao lado de objectos materiaes, taes como o povo os emprega, têem
cabimento os modelos de dimensões reduzidas e as representações
pelas artes graphicas, e não se excluem as descripções pela palavra,
antes se deseja que a exposição comprehenda o maior numero possivel
de obras, estudos, simples notas de que o povo português tenha sido
objecto.
Não deve esquecer-se tambem o meio geographico, este bello Portugal,
que em vão se quer culpar de vicios que só derivam dos homens, e os
«paraisos desprezados» das ilhas adjacentes.
Emfim será o mais apreciavel ornamento da exposição uma serie de

typos vivos, humanos, dos nossos diversos districtos, com as suas
vestes caracteristicas, em construcções representando as suas casas,
com o seu mobiliario, os instrumentos e productos de suas
industrias--uma imagem, em resumo, do povo português.

*Divisões principaes do programma*
Um estudo completo do povo português comprehenderia os seguintes
elementos:
I. A terra. 1. A constituição geologica do solo. 2. A riqueza
mineralogica do solo. 3. A geographia physica.
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