opprobrios da existencia amargurada. Sabemos que amou extremosamente. E como poderia esta alma de elei??o clausurar-se na solid?o do sentimento, sem repartir o estro e a paix?o entre a patria e a mulher? Sabemos que padeceu asperos desterros e carceres de affronta e prova??o. E como poderia esta luz intensissima do engenho ferir, sem os offender e offuscar, os olhos dos seus ingratos contemporaneos, que n?o buscassem afrouxal-a e desluzil-a, já que n?o a podiam apagar? Sabemos que na India provou a forte espada nos recontros e a estoica impavidez nos lances das armadas e nos perigos das tormentas. Sabemos que a pobresa foi a socia inseparavel do seu viver aventureiro. E que genio já houve em Portugal antigamente, que n?o tivesse a penuria por contrapeso aos thesouros immortaes da sua gloria? Sabemos que na China exerceu modesto officio, e que a fortuna ao Cam?es lhe destinou que para n?o perecer á fome, rebaixasse o divino talento de poeta ao prosaico e rude officio de exactor. Sabemos que a patria o desamparou nos annos derradeiros, atirando-lhe á m?o, quasi estendida á caridade, a esmola do poder. Sabemos que morreu, quando a patria descaía no sepulchro, porque elle era a voz da patria, o ultimo suspiro da na??o agonisante, e era bem que se extinguisse, quando Portugal jazia amortalhado no manto de cavalleiro, tendo em redor do seu esquife as figuras sinistras e irónicas dos seus desapiedados conquistadores. Sabemos que os seus ossos jazeram até hontem esquecidos n'um desv?o do convento de Sant'Anna, até hontem, em que por nobre e patriotica impuls?o da nossa Academia, lhe pagámos--inanimado--na solemne apotheose, o que--vivo--os seus contemporaneos lhe negaram em p?o e em conforto. Sabemos que deixou o seu nome intimamente vinculado ao nome e á propria existencia da na??o. Sabemos que os Lusiadas os entalhou o brio portuguez com a espada nas mais distantes e ingratas regi?es, e os imprimiu com o rasto das suas quilhas temerarias na face do Oceano e no dorso das tempestades, e o Cam?es os trasladou a versos immortaes, diffundindo no mundo pelo genio o que Portugal já tinha divulgado pelo immenso preg?o do seu valor.
O Cam?es é a patria coroada de poeticos laureis. Os Lusiadas s?o a estatua da na??o, cinzelada pelo escopro do maior engenho portuguez. Glorifiquemos, pois, cada vez mais a epopéa e o cantor. Veneremos com elle o nosso passado glorioso. Mas como estes destemidos argonautas, que elle celebrou, os quaes se n?o ficavam inertes e parados após as mais felizes singraduras, nem cifravam a sua honra em descobrir apenas o cabo de Boa Esperan?a, volvamos o sentimento nacional aos tempos que já foram, e o espirito moderno ás eras do porvir: ao passado, para que d'elle possamos aprender o amor da patria, a tenaz perseveran?a nas empresas mais difficeis; ao futuro, para que honrando o poeta nas suas mais largas e videntes aspira??es, possamos completar as nossas glorias pelo caminho que a fortuna nos consente e nos deixou. Fizemos a epopéa sublime, traduzida pelo Cam?es na divina linguagem do seu estro. Fa?amos hoje a epopéa mais modesta da liberdade, da sciencia e do trabalho.
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