adiante circumnavegando briosa e perseverante as inhospitas margens africanas. Engolfe-se nos mares tempestuosos e descubra as ilhas viridentes, onde as arvores por centenares de seculos, na perpetua solid?o das suas florestas, haviam ramalhado sem temer a hacha assoladora do colono, onde os passarinhos, dominando sem rival, cantavam indolentes os amores, pendurando nas vergonteas os seus ninhos, sem recear que a m?o do homem as viesse descobrir e profanar. Entrem os portuguezes, esta guarda avan?ada, estes heroicos batedores da nova civilisa??o, entrem na sombria, ignota e espessa escurid?o das terras e das costas africanas, entrem resolutos com as suas proas mal seguras nas bahias, nas abras, nas aguadas. V?o nas suas aventurosas singraduras administrando pelo nome portuguez o baptismo da civilisa??o ás selvaticas paragens, que descobrem, e assignalando com padr?es a possess?o e o dominio. Pairem com os primeiros e mais felizes navegadores nas aguas revoltosas do cabo Tormentorio, onde a Africa, semelhante ao ferro agudo e penetrante de uma azagaia immensa, está ferindo inexoravel o cora??o do Oceano. Sejam infatigaveis na aventura, intrepidos no perigo, inabalaveis na ousadia, heroicos nas prova??es, indomitos nos contrastes da fortuna. Avancem de cada vez mais um estadio na róta, que tra?aram. Abram nos mares desconhecidos a propria estrada, que v?o descortinando e percorrendo. Operem maravilhas de sciencia cosmographica e prodigios de estoica paciência e milagres de valor e galhardia. Deixem atraz o cabo temeroso e em fragillimos baixeis v?o singrando aventureiros o Oceano Indico. Aportem finalmente á celebrada terra oriental, e a principio hospedes e forasteiros, venham a ser em breve termo os altivos dominadores d'aquelles florentissimos imperios, agora avassallados e sujeitos ao jugo portuguez. D'ali bracejem as extensas vergonteas do descobrimento e da conquista até ás mais apartadas e mysteriosas regi?es. Entre a Europa escudada com o nome de Portugal na China e no Jap?o. Vá lustrando nos portuguezes gale?es os mais remotos archipelagos. Deixe memorada na gloria dos seus feitos e nos nomes portuguezes dos logares a passagem triumphal d'este povo pequeno na extens?o, gigante nos seus brios. Partindo do ultimo Occidente, de exiguo e infantil feito gigante, confranja nos seus bra?os de ferro o globo inteiro. Dissipe com o seu arrojo incontrastavel as neblinas, que escondiam o Oceano, e rompa animoso e irresistivel o veo mysterioso, que encobria a face da terra. Aponte ali aos que na sua assombrosa variedade a desconheciam, as divis?es e as fronteiras das terras e das aguas, como um amoravel preceptor, arrancando o envoltorio, que tinha recatado um globo geographico, ensina ao alumno pueril e curioso, as linhas que delimitam os continentes e os mares. Diga finalmente á Europa entre assombrada e invejosa: ?A terra, que tu sonhaste, era a terra fabulosa, a terra debuxada nas descrip??es phantasiosas dos antigos e nos mappas mentirosos da edade média. A terra, que eu te dou, é a terra qual outr'ora saíu das m?os da natureza para o homem primitivo, qual sae agora das minhas m?os para o homem civilisado. é a terra, de que os antigos apenas conheceram uma nesga, de que Alexandre, nas suas t?o famigeradas expedi??es, soube apenas tanto como a mais tarda e pregui?osa das minhas galés, talvez menos que o mais frouxo dos meus aventureiros. A terra, que vós conheceis, é a terra de Ptolomeu e de Strab?o, a terra dos que n?o a viram, mas sonharam. Esta, que vos dou, é a terra de Vasco da Gama, de Pedro Alvares Cabral, de Fern?o de Magalh?es, de Jo?o da Nova, a terra, de que para vós tomamos posse, como os primeiros que em todas as direc??es a soubemos percorrer e navegar.?
A Europa, ouviu, estremeceu, levantou-se e invejou. As páreas copiosas dos nossos descobrimentos, os despojos opimos das nossas expedi??es, os fructos sasonados das nossas conquistas, tudo lhe deitámos generosos no rega?o. Para nós guardámos o que se n?o pode alienar: as glorias e os laureis. Démos-lhe tudo o que havia de terrenal e de mundano. Recatámos como thesouro inestimavel o que as nossas empresas memoraveis tiveram de espiritual, quasi divino. á semelhan?a do honrado e brioso cavalleiro, que, com mais cicatrizes que veneras, no outono da sua existencia gloriosa, pendurando na panoplia a espada reluzente e o murri?o abolado nas requestas sanguinosas, deixa que tudo lhe arrebate a má fortuna, mas n?o cede ou vende a extranhos as insignias memoraveis, esculpidas como braz?o e stemma gentilicio na face do seu broquel.
Quando as glorias portuguezas s?o chegadas á brilhante culmina??o, quando principia a resfriar o ardor primevo das empresas memoraveis, quando é necessario colher na phase momentanea do seu maximo esplendor a heroicidade portugueza, e como que photographal-a, ainda viva, recente, luminosa, apparece o Cam?es na terra de Portugal.
O Cam?es é ao mesmo tempo a eloquente voz da posteridade, e a grandiosa resurrei??o dos tempos heroicos de Portugal. A sua penetrante vis?o intellectual descobre com
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