esperam!
Irmãos, amei a Deus, com fé profunda...
Por isso vago sem conforto e
incerto,
Arrastando entre as urzes do deserto
Um corpo exangue e
uma alma moribunda.»
E os tres, unindo a voz n'um ai supremo,
E deixando pender as mãos
cançadas
Sobre as armas inuteis e quebradas,
N'um gesto inerte de
abandono extremo,
Sumiram-se na sombra duvidosa
Da montanha calada e formidavel,
Sumiram-se na selva impenetravel
E no palor da noite silenciosa.
ENTRE SOMBRAS
Vem ás vezes sentar-se ao pé de mim
--A noite desce, desfolhando as
rosas--
Vem ter commigo, ás horas duvidosas,
Uma visão, com azas
de setim...
Pousa de leve a delicada mão
--Rescende amena a noite socegada--
Pousa a mão compassiva e perfumada
Sobre o meu dolorido
coração...
E diz-me essa visão compadecida
--Ha suspiros no espaço vaporoso--
Diz-me: Porque é que choras silencioso?
Porque é tão erma e triste
a tua vida?
Vem commigo! Embalado nos meus braços
--Na noite funda ha um
silencio santo--
N'um sonho feito só de luz e encanto
Transporás a
dormir esses espaços...
Porque eu habito a região distante
--A noite exhala uma doçura
infinda--
Onde ainda se crê e se ama ainda,
Onde uma aurora igual
brilha constante...
Habito ali, e tu virás commigo
--Palpita a noite n'um clarão que
offusca--
Porque eu venho de longe, em tua busca,
Trazer-te paz e
alivio, pobre amigo...
Assim me fala essa visão nocturna
--No vago espaço ha vozes
dolorosas--
São as suas palavras carinhosas
Agua correndo em
crystalina urna...
Mas eu escuto-a immovel, somnolento
--A noite verte um desconsolo
immenso--
Sinto nos membros como um chumbo denso,
E mudo e
tenebroso o pensamento...
Fito-a, n'um pasmo doloroso absorto
--A noite é erma como campa
enorme--
Fito-a com olhos turvos de quem dorme
E respondo: Bem
sabes que estou morto!
HYMNO DA MANHÃ
Tu, casta e alegre luz da madrugada,
Sobe, cresce no céo, pura e
vibrante,
E enche de força o coração triumphante
Dos que ainda
esperam, luz immaculada!
Mas a mim pões-me tu tristeza immensa
No desolado coração. Mais
quero
A noite negra, irmã do desespero,
A noite solitaria, immovel,
densa,
O vacuo mudo, onde astro não palpita,
Nem ave canta, nem susurra o
vento,
E adormece o proprio pensamento,
Do que a luz matinal... a
luz bemdita!
Porque a noite é a imagem do Não-Ser,
Imagem do repouso
inalteravel
E do esquecimento inviolavel,
Que anceia o mundo,
farto de soffrer...
Porque nas trevas sonda, fixo e absorto,
O nada universal o
pensamento,
E despreza o viver e o seu tormento.
E olvida, como
quem está já morto...
E, interrogando intrepido o Destino,
Como reu o renega e o
condemna,
E virando-se, fita em paz serena
O vacuo augusto,
placido e divino...
Porque a noite é a imagem da Verdade,
Que está além das cousas
transitorias.
Das paixões e das formas illusorias,
Onde sómente ha
dor e falsidade...
Mas tu, radiante luz, luz gloriosa,
De que és symbolo tu? do eterno
engano,
Que envolve o mundo e o coração humano
Em rede de mil
malhas, mysteriosa!
Symbolo, sim, da universal traição,
D'uma promessa sempre
renovada
E sempre e eternamente perjurada,
Tu, mãe da Vida e mãe
da Illusão...
Outros estendam para ti as mãos,
Supplicantes, com fé, com
esperança...
Ponham outros seu bem, sua confiança
Nas promessas
e a luz dos dias vãos...
Eu não! Ao ver-te, penso: Que agonia
E que tortura ainda não
provada
Hoje me ensinará esta alvorada?
E digo: Porque nasce mais
um dia?
Antes tu nunca fosses, luz formosa!
Antes nunca existisses! e o
Universo
Ficasse inerte e eternamente immerso
Do possivel na
nevoa duvidosa!
O que trazes ao mundo em cada aurora?
O sentimento só, só a
consciencia,
D'uma eterna, incuravel impotencia,
Do insaciavel
desejo, que o devora!
De que são feitos os mais bellos dias?
De combates, de queixas, de
terrores!
De que são feitos? de illusões, de dores,
De miserias, de
maguas, de agonias!
O sol, inexoravel semeador,
Sem jamais se cançar, percorre o espaço,
E em borbotões lhe jorram do regaço
As sementes innumeras da
Dor!
Oh! como cresce, sob a luz ardente,
A seara maldita! como treme
Sob os ventos da vida e como geme
N'um susurro monotono e
plangente!
E cresce e alastra, em ondas voluptuosas,
Em ondas de cruel
fecundidade,
Com a força e a subtil tenacidade
Invencivel das
plantas venenosas!
De podridões antigas se alimenta,
Da antiga podridão do chão fatal...
Uma fragrancia morbida, mortal
Lhe reçuma da seiva peçonhenta...
E é esse aroma languido e profundo,
Feito de seducções vagas,
magneticas,
De ardor carnal e de attracções poeticas,
É esse aroma
que envenena o mundo!
Como um clarim soando pelos montes,
A aurora acorda, placida e
inflexivel,
As miserias da terra: e a hoste horrivel,
Enchendo de
clamor e horisontes.
Torva, cega, colerica, faminta,
Surge mais uma vez e arma-se á
pressa
Para o bruto combate, que não cessa,
Onde é vencida sempre
e nunca extincta!
Quantos erguem n'esta hora, com esforço,
Para a luz matinal as armas
novas,
Pedindo a lucta e as formidaveis provas,
Alegres e crueis e
sem remorso,
Que esta tarde ha-de ver, no duro chão
Cahidos e sangrentos,
vomitando
Contra o céo, com o sangue miserando,
Uma extrema e
importante imprecação!
Quantos tambem, de pé, mas esquecidos,
Ha-de a noite encontrar, sós
e encostados
A algum marco, chorando aniquilados
As lagrimas
caladas dos vencidos!
E porque? para que? para que os chamas,
Serena luz, ó luz inexoravel,
Á vida incerta e á lucta
Continue reading on your phone by scaning this QR Code
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the
Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.