as crises, as
lagrimas, as afflicções, as duvidas cruciantes e as dores angustiosas:
tudo o que, reunido, forma uma alma mystica--tudo isso móra na alma
d'este poeta arrebatada pela visão inextinguivel do Bem.
Só no meu coração, que sondo e meço,
Não sei que voz, que eu
mesmo desconheço,
Em segredo protesta e affirma o Bem.
E para nada faltar a este mystico, anachronicamente perdido no meio
do borborinho de um seculo activo até á demencia, tem tambem uma fé
ardente--uma fé buddhista. Somente o seu Deus, Deus sem vontade,
sem intelligencia e sem consciencia, é, para nós outros, a quem são
vedados os mysterios da metaphisica buddhista, igual a cousa
nenhuma.
Este homem, fundamentalmente bom, se tivesse vivido no seculo VI ou
no seculo XIII, seria um dos companheiros de S. Bento ou de S.
Francisco de Assis. No seculo XIX é um excentrico, mas d'esse feitio
de
excentricidade que é indispensavel, porque a todos os tempos
foram indispensaveis os herejes, a que hoje se chama dissidentes.
_Oliveira Martins_.
OS CAPTIVOS
Encostados ás grades da prisão,
Olham o céo os pallidos captivos.
Já com raios obliquos, fugitivos,
Despede o sol um ultimo clarão.
Entre sombras, no longe, vagamente,
Morrem as vozes na extensão
saudosa.
Cae do espaço, pesada, silenciosa,
A tristeza das cousas,
lentamente.
E os captivos suspiram. Bandos de aves
Passam velozes, passam
apressados,
Como absortos em intimos cuidados,
Como absortos
em pensamentos graves.
E dizem os captivos: Na amplidão
Jamais se extingue a eterna
claridade...
A ave tem o vôo e a liberdade...
O homem tem os muros
da prisão!
Aonde ides? qual é vossa jornada?
Á luz? á aurora? á immensidade?
aonde?
--Porém o bando passa e mal responde:
Á noite, á escuridão,
ao abysmo, ao nada!--
E os captivos suspiram. Surge o vento,
Surge e perpassa esquivo e
inquieto,
Como quem traz algum pezar secreto,
Como quem soffre
e cala algum tormento.
E dizem os captivos: Que tristezas,
Que segredos antigos, que
desditas,
Caminheiro de estradas infinitas,
Te levam a gemer pelas
devezas?
Tu que procuras? que visão sagrada
Te acena da soidão onde se
esconde?
--Porém o vento passa e só responde:
A noite, a escuridão,
o abysmo, o nada!--
E os captivos suspiram novamente.
Como antigos pezares mal
extinctos,
Como vagos desejos indistinctos,
Surgem do escuro os
astros, lentamente.
E fitam-se, em silencio indecifravel,
Contemplam-se de longe,
mysteriosos,
Como quem tem segredos dolorosos,
Como quem ama
e vive inconsolavel...
E dizem os captivos: Que problemas
Eternos, primitivos vos attrahem?
Que luz fitaes no centro d'onde saem
A flux, em jorro, as intuições
supremas?
Por que esperaes? n'essa amplidão sagrada
Que soluções esplendidas
se escondem?
--Porém os astros tristes só respondem:
A noite, a
escuridão, o abysmo, o nada!--
Assim a noite passa. Rumorosos
Susurram os pinhaes meditativos,
Encostados ás grades, os captivos
Olham o céo e choram silenciosos.
OS VENCIDOS
Tres cavalleiros seguem lentamente
Por uma estrada erma e
pedregosa.
Geme o vento na selva rumorosa,
Cae a noite do céo,
pesadamente.
Vacilam-lhes nas mãos as armas rotas,
Têm os corceis poentos e
abatidos,
Em desalinho trazem os vestidos,
Das feridas lhe cae o
sangue, em gotas.
A derrota, traiçoeira e pavorosa,
As fontes lhes curvou, com mão
potente.
No horisonte escuro do poente
Destaca-se uma mancha
sanguinosa.
E o primeiro dos tres, erguendo os braços,
Diz n'um soluço: «Amei e
fui amado!
Levou-me uma visão, arrebatado,
Como em carro de luz,
pelos espaços!
Com largo vôo, penetrei na esphera
Onde vivem as almas que se
adoram,
Livre, contente e bom, como os que moram
Entre os astros,
na eterna primavera.
Porque irrompe no azul do puro amor
O sopro do desejo pestilente?
Ai do que um dia recebeu de frente
O seu halito rude e queimador!
A flor rubra e olorosa da paixão
Abre languida ao raio matutino,
Mas seu profundo calix purpurino
Só reçuma veneno e podridão.
Irmãos, amei--amei e fui amado...
Por isso vago incerto e fugitivo,
E corre lentamente um sangue esquivo
Em gotas, de meu peito
alanceado.»
Responde-lhe o segundo cavalleiro,
Com sorriso de tragica amargura:
«Amei os homens e sonhei ventura,
Pela justiça heroica, ao mundo
inteiro.
Pelo direito, ergui a voz ardente
No meio das revoltas homicidas:
Caminhando entre raças opprimidas,
Fil-as surgir, como um clarim
fremente.
Quando ha de vir o dia da justiça?
Quando ha de vir o dia do resgate?
Trahio-me o gladio em meio do combate
E semeei na areia
movediça!
As nações, com sorriso bestial,
Abrem, sem ler, o livro do futuro.
O
povo dorme em paz no seu monturo,
Como em leito de purpura real.
Irmãos, amei os homens e contente
Por elles combati, com mente
justa...
Por isso morro á mingoa e a areia adusta
Bebe agora meu
sangue, ingloriamente.»
Diz então o terceiro cavalleiro:
«Amei a Deus e em Deus puz alma e
tudo.
Fiz do seu nome fortaleza e escudo
No combate do mundo
traiçoeiro
Invoquei-a nas horas affrontosas
Em que o mal e o peccado dão
assalto.
Procurei-o, com ancia e sobresalto,
Sondando mil sciencias
duvidosas.
Que vento de ruina bate os muros
Do templo eterno, o templo
sacrosanto?
Rolam, desabam, com fragor e espanto,
Os astros pelo
céo, frios e escuros!
Vacila o sol e os santos desesperam...
Tedio reçuma a luz dos dias
vãos...
Ai dos que juntam com fervor as mãos!
Ai dos que crêem! ai
dos que inda
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