que te pague, assim me Deus salve!
E comido o caldo verde da ceia, nunca o Thom�� da Eira ia para a cama sem primeiro descer a v��r o ?Sult?o?,--de candeia na m?o esquerda, e na direita, contra o sovaco, a bella quarta do gr?o, acogulada.
Muitas vezes acontecia esquecer-se o Thom�� a vel-o comer, de candeia attenta, encostado �� mangedoira, sorrindo: e, de cima, a sr.^a Josefa tinha de intervir ent?o, gritando-lhe pelas frinchas do sobrado:
--Thom��, v�� se te vens deitar, meu pasmado! olha que s?o horas.
E piamente, como fanatico, achava verosimil a lenda da burra que fallou,--historia que uma tarde, passando, o abbade lhe contara. Tanto que mais de uma vez, dando ao burro as boas-noites, extranhou com certo desgosto que o ?Sult?o? lhe n?o respondesse:
--Boas noites!
* * * * *
Mas o demonio, que sempre as arma, armou-lh'a tambem um dia! Foi ao cortelho, de manh? cedo, e n?o encontrou o burro. Ficou parvo! Poz-se a mirar, espantado, a loja que lhe pareceu enorme, e al��m de enorme--gelada...
--�� Josefa! Josefa! entrou de gritar da rua.--�� Josefa!
A mulher assomou �� janella, sobresaltada.
--Queres apostar que me roubaram o burro, �� mulher?!
--Que te roubaram o qu��? fez a sr.^a Josefa, muito attonita.
--O burro, o ?Sult?o?! Vem c�� ver que m'o roubaram!
E como ao tempo acudira j�� o Manoel, em camisa, descal?o, romperam todos tres na gritaria, defronte do cortelho vazio:
--�� d'el-rei! �� d'el-rei! �� d'el-rei!
At�� que o regedor, que era compadre, intervindo estremunhado, poz na peugada do burro, mais dos larapios, os cabos que compareceram.
Mas em v?o! Um a um foram regressando, pelo dia adeante, e desfechando ao peito abatido do Thom�� a negra e vazia palavra:
--Nada!...
II
Dois annos depois. Tarde d'agosto. Ao longe, fechando o horizonte que a eira dominava, as arestas dos montes quebravam-se n'uma sombra egual, e embaciavam ainda o poente as suaves, brandas pulverisa??es doiradas da ultima luz do sol. Riscos vermelhos de nuvens, como grandes vergas de ferro levadas ao rubro, destacavam immoveis n'um fundo verde-mar, esvaecido e meigo, raiado de listr?es de uma colora??o leve de laranja. Pequenos algod?es transparentes, com alvuras de neve, cortavam aqui e al��m, alegremente, a monotonia profunda do azul. N'um deslado, sob os castanheiros proximos, surgiam os telhados da aldeia, a torre branca da igreja, as paredes caiadas da escola.
A vasta eira commum, levemente accidentada, apresentava ��quella hora o aspecto tranquillo e de paz de uma grande officina em repouso. Poucas ?m��das?, iam no fim as colheitas: mais uma semana, duas quando muito, e estaria tudo recolhido. J�� sobre a palha das ?parvas? ou ao sop�� das ?m��das? altas, entre os utensilios da trilha e a crean?ada estridula que brincava, os da lavoura descan?avam--vermelhos da soalheira intensa de todo o dia, alguns deitados, em mangas de camisa, peito n��, arrega?ados os bra?os musculosos, n'uma prostra??o regalada de matilha que alfim tem a sua hora de socego, ap��s um dia de ca?ada. Parecem prostrados da fadiga os proprios malhos, os trilhos, as p��s, os ?baleios? que levaram todo o santo dia varrendo o ch?o em volta das ?parvas?. E aqui e ali, dando uma sensa??o agradavel de fartura, perfilam-se os altos saccos no meio das rasas, extravasando de gr?o. Al��m, gente em mangas de camisa, ao redor de um grande mont?o de palha triturada, vae ?limpando?--visto que sopra um ?ventinho?. E sente-se sobre as p��s a chuva do gr?o, ao mesmo tempo que a palha, voando, faz monte da outra banda, e os ?baleios?, em m?os de mulheres, n?o cessam de arrebanhar o gr?o, varrendo em roda n'um afan... Em certo ponto, carros vasios; um al��m, de altissimas ?angarellas?, vae-se enchendo de palha; emquanto outros, atulhados de saccos, em rimas entre as cancellas mais baixas, estridulamente chiando abalam para as tulhas, levados pelos bois gigantes.
Eiras al��m, livres dos trilhos que ficavam em cima da palha, levas de bois caminhavam vagarosamente, as largas orelhas pendentes, caudas oscilantes afagando nas ancas espa?osas o luzidio p��llo. E l�� v?o encosta abaixo, ro?ando pelos troncos asperos dos castanheiros a enorme corpolencia, fartar o largo bandulho �� serena agua das ribeiras, sorvendo vagarosamente, impando a cada sorvo, pesadamente, monotonamente, parece que insaciaveis no meio da agua em que se atolam, submissa...
Ao fundo da eira, rente aos castanheiros escuros, um rancho de mulheres cantava alegremente, em c?ro. Acabara de ensacar-se o ultimo gr?o da farta colheita do Thom�� da Eira.
--Colheita rica, sim senhor! vinham dizer-lhe os visinhos.--A primeira da aldeia!
--Qual? isso sim! v?o voc��s v��r a tulha. Muita palha, �� que voc��s h?o de dizer, muita palha e pouco gr?o...
E muito azafamado, sem prosapias de maioral nem geitos de soberba, as mangas arrega?adas pelos cotovelos, O Thom�� ia e vinha, dando ordens, repetindo avisos, distribuindo aqui e al��m as ultimas tarefas.
--Ahi vae um sacco, �� tu! �� p'r'as ?rabeiras?. Que n?o fique nem um gr?o, ouviram? �� aviar, toca a
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