tinha de ser,--volveu-lhe triste a Rosária,--que as promessas
sempre fazem, lá isso...
E convicta, a pequena contou casos acontecidos para convencer o
Gonçalo de que sempre valiam as promessas. No entanto, deitado de
costas, com a jaqueta a fazer de travesseiro, as pernas em ângulo
tocando-se com os joelhos, o Gonçalo soprava pela palha o bugalhinho
que constantemente ia subindo e descendo, acompanhado pelo olhar
bondoso do cão que ali perto se deixara estar sentado. E contando,
contando casos, a Rosária ia entretendo o pastor. Mas quando ela fazia
pausa, logo o rapaz acudia, firme na sua objecção:
--Ora! mas a nossa Joaquina morreu-se! Coitadinha da Joaquina!
* * * * *
À medida que o sol ia subindo, no céu glorioso e fulvo, iam os dois
conduzindo as ovelhas para sítios mais ensombrados, para se livrarem
da estiagem que ia valente. Calor de rachar, ali por volta do meio-dia,
que foi quando tomaram para a banda das azinheiras, e para os
pinheirais, depois. E sempre ao lado um do outro, os dois companheiros
levaram de conversa quase o dia inteiro. Nunca tinham dado fé que as
horas passassem tão depressa. Ainda armaram aos pássaros, mas foi o
mesmo que nada, os demónios andavam espantados e já conheciam as
esparrelas.
--Olha lá não caiam,--tinha dito o Gonçalo, já cansado de estar à
espreita, agachado, com o fio da armadilha preso ao dedo.--Se eles
fossem tolos...
E foi-se a recolher as esparrelas, dando ao demónio os pássaros. Ela
então propôs que jogassem a pocinha.
--E o fito, ó Rosária? Sabes jogar ao fito? No adro, aos Domingos de
tarde, bato-me com qualquer, sabias?
E generoso:--Mas a ti dou-te partido: vinte e cinco às quarenta...
Como o tempo rendia, jogaram tudo--a pocinha, o fito, as necas, a
bilharda. Na bilharda, como o rafeiro trazia à mão, era ele que ia buscar
o pauzinho, quando zinia longe.
--Turco, traz cá!
* * * * *
No entanto, ia descaindo a tarde. Ao alto, o largo céu esmorecia no seu
azul suavíssimo. Em todo o espaço o ar estava tranquilo e sereno, e já
começava para poente a decoração fantástica do ocaso. Parece que se
ouvia mais distinto o marulhar das águas no rio; já não faiscava assim
tão viva a areia branca das margens.
Foi quando o Gonçalo lembrou que era melhor irem-se chegando, mais
as ovelhas, para as terras onde tinham de pernoitar. E fitando fixamente
os olhos negros da Rosária, disse-lhe assim:
--Mas olha o que prometeste... Inda vais feita no que disseste?
«Ora que lhe custava a ela! Já que as ovelhas tinham andado juntas
todo o santo dia, que mais era que dormissem no mesmo curral, essa
noite?»
--E o mais, ó Rosária?--perguntou de novo com interesse.
A pequena ficou perplexa. Mas como o pastor não cessava de a olhar,
respondeu:
--Também.--E sorriu-se.--Pois eu...
Só depois desta segunda promessa o Gonçalo se levantou, e deu o sinal
de partida, assobiando aos cães.
Daí a pouco, estavam de marcha para o curral, Quando passavam a
velha ponte, a obliquidade dos raios do sol fazia alongar
desmedidamente pelo areal a sombra dos três arcos. Nas rugas da
corrente, uma luz alaranjada tremeluzia, tirando à água a sua
translucidez normal.
--É bonito!--fez notar o pastor.
A Rosária explicou logo:
--São as moiras a caçar com redes de oiro, sabias?
Para a outra banda, um pouco mais abaixo, assomavam à flor da
corrente as cabeças dos dois rapazotes do moleiro. Dentro da chata que
vogava serenamente, a mãe com o mais novito ao colo não os perdia de
vista, enquanto o pai, em mangas de camisa, de pé num topo de fraga,
lhes ia ensinando as manobras. Ao fundo, três vitelas passavam o rio a
vau, muito devagar, parando a espaços, alongando o pescoço para a
veia de água serena, bebendo mansamente. Sobre o vitelo das malhas
brancas, o guardador cantarolava, acenando com o chapéu ao
moleiro--«boas tardes! boas tardes!» Ao sair da ponte, o rebanho teve
de se afastar um pouco do caminho: aproximava-se um almocreve com
a longa fila de machos carregados, tilintando campainhas.
--Adeus pequenos! cumprimentou.
--Venha com Deus!--tornaram-lhe ambos.
E de novo se puseram em marcha. As ovelhas continuavam
confundidas, confraternizavam os cães como bons e leais amigos. À
frente, o Gonçalo ia tocando na flauta o mesmo que a Rosária cantava.
O brando rumor dos chocalhos, que se levantava de todo o rebanho,
casava-se com a música, fundindo-se numa nota subtil, de um pitoresco
ingénuo de balada...
Até que chegaram a um topo de serra, escurentado de matagal rasteiro,
e então, parando um momento, o Gonçalo perguntou, colocando na sua
frente a Rosária, e pondo-lhe à cara a flauta, na direcção em que devia
olhar.
--Vês além... neste direito? Resvés do castanheiro, não enxergas?
A outra fez que sim com um
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