Os meus amores | Page 8

Trinidade Coelho
é aviar, toca a aviar! Cautela que n?o fique por aí alguma coisa esquecida: essas pás, esses ?baleios?, tudo isso. Margarida! ó Margarida! qu'é da tua rasa? Deixa! se vai no carro está bem.
E era como um doido a meter-se no servi?o de todos, muito expedito, loquaz, alegre, pedindo pelas bentas almas que se n?o deixassem agora dormir...
--Vamos lá! vamos lá! As pás, ó tu que cantas? Deixa-me por aí alguma, que eu depois te ensinarei, ouviste?--Que faz aí no ch?o esse ?rasouro?, ó coisa?--Olha p'r'o que estás a fazer, tu: esses sacos que fiquem bem atados.
O criado, que ia abalar com a carrada, perguntou, já de ?aguilhada? no ar, se era preciso mais alguma coisa.
--N?o, podes ir. Ouves? lá em casa que tenham a ceia a horas. Avia-te. Ouves, Francisco? N?o piques os bois, a carrada é valente. A passo, deixa ir os animais a passo. Vai-te.
Como o carro chiava, levantou a voz para dizer:
--Olha, descarrega na tulha do meio. Na tulha do meio, n?o ouves? Os bois para o lameiro.
Mas o Francisco apontou dois sacos que ficavam:--?seria preciso vir por eles??
--N?o vale a pena, lá ir?o.
E depois, para aquela gente, observou que bem sabia ele quem os levava, aqueles dois sacos...
--Com mil demónios! Apostar que vocês n?o adivinham?
?Eles sabiam lá?... Quem quer podia levar os dois sacos, olhem agora!?
--O ?Sult?o?, sabem? o ?Sult?o?! Esse é que os levava. E digo-vos ent?o que valia o dobro a colheita, assim me Deus salve!
Alguns riram da lembran?a. ?Tinha gra?a que a cisma do animal n?o lhe passava nem à m?o de Deus Padre!?
--A modos que isso é já mania, ó Sr. Tomé?
Nisto, porém, o lavrador soltou um ?oh!? de surpresa. Voltaram-se todos--?que era?? Na estrada que a eira dominava, um homem ia passando, a cavalo.
--Vocês n?o querem ver, ó rapazes?! perguntou o lavrador, fazendo-se pálido.--Aquele burro, hein? se n?o é o ?Sult?o? é o diabo por ele...
Recordaram:--?estrela malhada na testa, a m?o direita branca?...
--é ele, com um milh?o de diabos! n?o há que ver! E aquele é o ladr?o!
E cuspindo nas m?os, e arrega?ando mais as mangas da camisa, arrancou, de um aban?o, o cabo de uma ?espalhadoura? e botou a fugir direito à estrada.
Prestes ouviu-se um berreiro, as mulheres do rancho em alarido:
--Que o mata! gritavam todas.--Ai que o mata! Acudam! Ai a desgra?a! Nem a alma lhe deixa! Acudam!
Os homens deitaram a correr atrás dele, afluía gente de todas as bandas da eira, os c?es ladravam.
--Ent?o, Sr. Tomé? olhe que se perde, Sr. Tomé! diziam-lhe, já agarrados a ele.--Largue o cabo, que se desgra?a! Tudo se faz a bem, Sr. Tomé, largue vossemecê o cabo!
--Qual bem nem qual diabo! Qual larga? Arreda! Racho-lhe as costelas, mais a vocês, se me n?o largam! Arreda!
E esbracejava furioso, levando-os de rold?o, agarrados a ele mais ao cabo. Chegou a ferir um, os outros desanimaram por instantes.
--Vê, Sr. Tomé?!
?N?o via nada, n?o queria ver coisa nenhuma! Arreda!? E num rompante de ira, abrindo brecha com um ?sarilho?, de um pulo saltou à estrada, aos trope??es nas pedras que encontrava, mal se equilibrando.
--Abaixo! intimou.--Você é um ladr?o!
--Um quê?
--Um ladr?o! é meu esse burro! Hei-de matá-lo aqui, seu patife! Deixem-me! larguem-me! Há-de aí ficar estendido, como um c?o!
E no meio da malta em alvoro?o, com a arreata do burro na m?o esquerda, e na direita o minacíssimo cacete, berrava que o deixassem, que ia tudo raso--?com seiscentos milh?es de diabos!?
Seguiu-se alterca??o, vieram raz?es de parte a parte, insultos.
--Já lhe disse que você é um ladr?o!
--Ladr?o será você!--tornou-lhe o outro já de pé, avan?ando de punhos cerrados.--E n?o mo diga outra vez, que o racho!
Aflitas, algumas mulheres voltavam-se, de m?os postas, para a capelinha próxima, rogando o socorro da Virgem. O lavrador entrava de tremer como varas verdes, desfigurava-o a raiva, uma saliva muito branca bordejava-lhe os cantos da boca. Pela camisa rota, via-se-lhe já um peda?o de ombro. Tinham, alfim, conseguido arrancar-lhe o cacete, mas agora esbracejava, punhos no ar sobre aquelas cabe?as em desordem.
Já, para uns certos do grupo, o homem do burro se desculpava:--?tinha-o comprado a uns ciganos, fossem lá adivinhar que o burro era roubado...?
--Vê, Sr. Tomé? acudiram logo uns poucos.--O homem n?o tem culpa.--E gritavam-lhe aos ouvidos:--N?o tem culpa! Comprou o animal na boa fé. Vês--aí está!
--Mente! objectava incrédulo o Tomé, cada vez mais irado.--Mente!
--Mente?! perguntava o outro de lá, assanhado.
--Como um judeu! cuspia-lhe da outra banda o Tomé.
De modo que para o convencerem, foi preciso afinal levá-lo quase à má cara, chamar-lhe homem de rixas, despropositado, bulhento. Ele ent?o, abrindo os bra?os como se fosse para nadar, sossegou um pouco, amainou,--prometeu levar aquilo com paciência, às boas. Chegou quase a pedir desculpa, limpando com a manga branca as bagas das camarinhas.--?Mas tinha perdido a cabe?a, que lhe queriam??
Chegou-se por fim a um acordo. ?Sim, senhores, acomodava-se, mas punha uma condi??o:
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