Os meus amores

Trinidade Coelho

Os meus amores, by Trindade Coelho

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Title: Os meus amores Contos e baladas
Author: Trindade Coelho
Release Date: August 30, 2007 [EBook #22463]
Language: Portuguese
Character set encoding: ISO-8859-1
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OS MEUS AMORES
TRINDADE COELHO
*OS MEUS AMORES*
(Contos e Baladas)
2.^a edi??o
LISBOA
Livraria de António Maria Pereira
50, 52--Rua Augusta--52, 54
1894

LISBOA
Tipografia e Estereotipia Moderna
11--Apóstolos--11

Ao Doutor
António Xavier Perestrelo

?Os Meus Amores?
Folhas dispersas dos meus anos de ouro, Vivo enxame das minhas alvoradas, Tenho zelos de vós, folhas sagradas, As Desdémonas sois de um outro mouro.
As brancas horas que eu em sonhos douro, Essas horas febris, iluminadas, Ei-las fugindo, em tristes debandadas... Levais nas asas todo o meu tesouro.
Folhas: subi, voai ao céu t?o alto, Que o céu em estrelas vos converta e mude, Lá nas longínquas ilus?es que exalto;
Como as frementes águas de um a?ude, Levai a Deus, no derradeiro salto, O derradeiro adeus da juventude...
Luís Osório.

IDíLIO RúSTICO
A Fialho de Almeida.
Quando atravessou a povoa??o, rua abaixo, com o rebanho atrás dele, era ainda muito cedo. Ao longo das ruas tortuosas, as portas conservavam-se fechadas, e n?o vinha das habita??es o mais insignificante ruído. Dormia-se a sono solto por todas aquelas casas. Apenas algum c?o, subitamente acordado em sobressalto pelo chocalhar do rebanho, ladrava do alto dos escadórios de pedra onde ficara de sentinela, ou de dentro das curraladas, onde levara a noite fazendo companhia aos novilhos. Donde em onde, galos madrugadores entoavam matinas sonoras, que eram como risadas vibrantes de boémios, nalguma estúrdia, a desoras...
Mas passadas as últimas casas, o silêncio condensava-se para toda a banda, numa grande pacifica??o de templo adormecido. Nem vivalma pela ladeira que levava ao rio, por um caminho em zig-zags. Fulgiam no céu azul-escuro cardumes prateados de estrelas. A toda a largura, a paisagem era torva e indecisa, imersa numa luz muito morti?a que nem era bem a da madrugada, nem era bem a da noite. No entanto a manh? era calma; nem rumores de brisa pela rama das azinheiras velhas que faziam guarda ao córrego por onde o rebanho tomara. Cigarras, grilos nas ervagens, r?s que coaxavam nas regueiras, era o mais que se ouvia acima do rumor brando dos chocalhos. Nem um balido de ovelha em todo o rebanho que se ia submissamente à mercê do pequeno pastor, parando se ele parava a colher as amoras frescas dos silvados, recome?ando marcha se de novo ele se punha a caminhar.
Quando passou rente ao meloal da fidalga, ouviu-se o ruído de um tiro, que o eco levou para longe.
--N?o gastes pólvora, António!--recomendou o pastor.--Ouviste?
E logo a voz do guardador:
--Madrugas hoje, Gon?alo!
--P'ra que saibas: cá um homem n?o tem medo.
--Está bem. Adeus!
--Saudinha.
A esse tempo ia-se já definindo a manh?, na luz, no som, na cor. Invadia a amplid?o da cúpula celeste uma tinta alvacenta, onde as estrelas feneciam no seu brilho. Ao alto, na ladeira de além, entravam de fazer-se nítidas as linhas sinuosas das cristas, onde enormes rochedos tinham altitudes de uma imobilidade misteriosa e sinistra... Neste assomo de alvorada, as coisas iam despertando lentamente para a alacridade vigorosa da luz. Das moitas e sebes, calhandras em bandos levantavam-se repentinamente, em voo perpendicular, e cortavam ares fora, chilreantes e alegres, até se perderem de vista por detrás dos arvoredos e cabe?os. De cauda em riste e orelhas imóveis, o rafeiro espreitava as ervagens secas, onde algum réptil passasse vagaroso.
--Busca, Turco!--fazia-lhe o Gon?alo que tinha medo às cobras.--Busca, valente!
à medida que descia a ladeira, um marulhar monótono de águas ouvia-se, mais e mais distinto. Era o rio que parecia perto; mas primeiro que lá se chegasse ainda era preciso andar... Era um poder de passos e de paciência,--reflectia o pastor, a quem aborreciam de morte os intermináveis torcicolos da vereda. Ia andando, descendo sempre, à frente do rebanho silencioso. E quando os sapatos come?aram de calcar areia, e ali, perto, o rio lampejava, sob aquele céu ainda estrelado, o Gon?alo desabafou:
--Uff! até que enfim!--E pensava aliviado:--Nada mais fácil do que terem-me saído os lobos!...
Mas vista àquela hora, e no meio de tal silêncio, a corrente líquida tinha o que quer que fosse de sinistro, que evocava lembran?as aterradoras, espectros dos que ali mesmo tinham morrido afogados, numa luta desesperada com as águas, clamando em v?o que lhes acudissem, em tamanho transe aflitivo. A margem de lá, especialmente, era toda acidentada de rochedos informes, blocos medonhos, por entre os quais no
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