mas um ponto limitado d'ella, muito limitado.
--Qual era ent?o?
--Olha alli para baixo; a Herdade de Thom��, aquella azafama, aquella gente toda a trabalhar, a vida que alli vae!
--Ora adeus!--exclamou Mauricio--�� justamente o que me n?o roubaria um momento de atten??o. N?o te estou a dizer que para mim o que ha de insupportavel no campo �� a gente que o habita, a vida que n'elle se passa? Faz pena v��r que especie de contempladores tem a natureza para estas maravilhas. A indifferen?a com que estes selvagens encaram tudo isto! Repara, v�� aquelle labrego passar l�� em baixo na ponte; olha l�� se elle desvia a cabe?a para algum dos lados, ou se p��ra um momento para gozar do bello espectaculo que d'alli observa. Olha para aquillo! Selvagem! Pergunta ao Thom�� ou a toda essa gente que l�� anda em baixo a trabalhar quantas vezes admiraram as bellezas de uma noite de luar, vista do alto do oiteiro pequeno, ou se o p?r do sol lhes produz alguma sensa??o na alma, a n?o ser a lembran?a de que v?o sendo horas da ceia.
Jorge sorria ao ouvir o irm?o, e tornou placidamente:
--Que homem este! A poesia precisa de ter quem a entenda e quem a fa?a; e olha que nem sempre os que a entendem a fazem, nem os que a fazem a entendem. Esta pobre gente do campo �� uma parte integrante d'elle; n?o o contemplam, completam-n'o. Que querias tu? Gostavas talvez mais de que em vez d'essa gente indifferente, que trabalha, estivessem por ahi os montes, os valles e as ribeiras povoados de poetas contempladores como tu? Deves confessar que seria um campo bem ridiculo esse. Se eu at��, para que te diga a verdade, estou persuadido de que n?o encontraria encantos nos logares muito visitados, que ha por as quatro partes do mundo, onde, a cada momento, apreciadores inglezes, francezes, russos e allem?es passeiam, soltando exclama??es polyglotas, e onde o nosso enthusiasmo nos �� prescripto a paginas tantas do GUIA DO VIAJANTE. O que torna os lavradores poeticos �� a inconsciencia com que elles o s?o.
--Vistos de longe. Pelo menos concorda n'isto; vistos de longe, e de muito longe.
--Vistos de longe, sim, que duvida? como tudo o mais. Ao perto tambem muitos d'esses prados s?o pantanos mal cheirosos, que infectam, e mexe-se uma miryada de insectos repugnantes n'essa verdura que tanto admiras. Dize-me uma coisa, Mauricio, parece-te que o nosso velho solar prejudica a belleza d'esta paisagem?
--Se prejudica? Ora essa! Adorna-a. Olha que bem que elle sahe d'aquelle fundo que lhe fazem os castanheiros!
--Muito bem, e comtudo, visto de perto, ha l�� tristes e prosaicas realidades--observou Jorge, suspirando.
Ao olhar de estranheza, com que, ao ouvir-lhe estas palavras, o irm?o o fitou, Jorge correspondeu, dizendo:
--Sim, Mauricio, triste e prosaica realidade para quem o olhar de perto. Ha nada mais triste do que aquelles campos invadidos pelas ortigas, que n��s l�� temos, do que aquelles pomares mal tractados, e aquelles celleiros em ruinas? Querer��s encontrar poesia na nossa pobreza, Mauricio?
--Pobreza?!
--Pobreza, sim; pois que nome lhe queres dar? Olha, compara o aspecto d'essa casa branca de um andar, que ahi fica em baixo, com o do nosso pa?o acastellado, a actividade d'aquelles homens com a somnolencia chronica do nosso capell?o; compara ainda, Mauricio, compara a desafogada alegria de Thom�� com a tristeza sem conforto do nosso pae.
Mauricio curvou a cabe?a, e uma como sombra de tristeza parou-lhe algum tempo na fronte, habitualmente desanuviada. Dir-se-ia que pela primeira vez o vulto descarnado da realidade se lhe apresentava aos olhos, at�� ent?o fascinados pelo fulgor de lisongeiras illus?es.
Mas, depois de breves instantes de silencio, respondeu ao irm?o:
--Pois bem, ser�� como dizes. Creio at�� que seja essa a verdade. A riqueza est�� alli, a pobreza do nosso lado; por��m a poesia... oh! essa deixa-nol-a ficar, que bem sabes que n?o �� ella a habitual companheira da opulencia.
--Da opulencia ociosa, egoista e inutil, de certo que n?o; mas da opulencia activa, benefica, que semeia, que transmitte a vida em volta de si, da opulencia que fomenta o trabalho, que cultiva os terrenos maninhos, que fertilisa a terra esteril, que sustenta, que educa e civilisa o povo, oh! d'essa �� a poesia companheira tambem. Se o castello arruinado tem poesia bastante para fazer correr lagrimas de saudade; a granja, activa e prospera, tem-n'a de sobra para as provocar de enthusiasmo e de f�� no futuro.
Mauricio ficou outra vez silencioso; depois, como se pretendesse sacudir de si as ideias negras evocadas pelas palavras do irm?o, exclamou erguendo-se e com affectado estouvamento:
--Est��s enganado, Jorge, o que reina alli em baixo n?o �� a poesia, ��... ��... �� a economia. A poesia n?o assiste ao edificio que se levanta, mas ao que se arruina; gosta mais dos musgos, do que da cal; do lado do passado �� que a encontras,

Continue reading on your phone by scaning this QR Code
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the
Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.