Os Pobres

Raul Brandão
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Os Pobres, by Raul Brand?o

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Title: Os Pobres Precedido de uma Carta-Prefácio de Guerra Junqueiro
Author: Raul Brand?o
Editor: Sociedade Editora
Release Date: July 13, 2007 [EBook #22057]
Language: Portuguese
Character set encoding: ISO-8859-1
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OBRAS DO AUTOR
A áRVORE:
I--História dum palha?o. II--Os pobres. III--Raízes (em prepara??o).
ROMANCE:
A Farsa.
TEATRO:
(De colabora??o com Júlio Brand?o)
A noite de Natal, drama em 3 actos, representado no teatro de D. Maria II.

RAUL BRAND?O
OS POBRES
Precedido de uma Carta-Prefácio de GUERRA JUNQUEIRO
LISBOA EMPRESA DA HISTóRIA DE PORTUGAL SOCIEDADE EDITORA Livraria Moderna, R. Augusta, 95 | Tipografia R. Ivens, 45 e 47 1906

CARTA--PREFáCIO
Meu bom amigo:
O seu livro é a história patética duma alma. Qual? A do Gebo, a de Luísa, a de Sofia, a da Mouca, a dos Pobres enfim? N?o. A sua. Histórias diversas, que se resumem numa história única: a da sua alma, transitando almas, a da sua vida, percorrendo vidas. Autobiografia espiritual, dilacerada e furiosa, demoníaca e santa, blasfemadora e divina. Confiss?o verdadeira, plena, absoluta dum organismo que sente a música misteriosa do universo, dum cora??o que repercute a dor eterna da natureza, mas que só ao cabo de oscila??es, dúvidas e desanimos, coordena a idealidade do ser com as aparências do ser, o espírito com as formas, o Deus,--amor e beatitude, com a matéria,--crime e sofrimento.
N?o vejo diante de mim um poema estéril, obra dos sentidos, da imagina??o e da volúpia. Vejo um acto profundo, espontaneo, de imensidade religiosa. O homem que se confessa abala-me e deslumbra-me. N?o a confiss?o mentirosa, a confiss?o vulgar, da boca que tem dentes, para o ouvido que tem sombras. N?o a confiss?o-análise, a confiss?o dos críticos, rol de inteligência, catálogo de ideias. Mas a esplêndida confiss?o das almas vertiginosas, desagregando-se, transidas de eternidade e de mistério. Como o fogo devorador dissocia o rochedo, há labaredas ignotas que dissociam as almas. E, se tais almas se desdobram, a natureza denuncia-se. O homem é um resumo ideal da natureza. Andou o infinito, e lembra-se; andará o infinito, e já o sonha. Quando o génio explui, conta-nos a natureza a sua história. O génio supremo é o santo. O verbo do santo, eis a língua clara do universo.
As confiss?es augustas s?o as dos poetas e dos santos. No homem vulgar a personalidade rígida encarcera e coalha as personalidades voláteis e difusas. O inconsciente imenso n?o acorda, porque está, como um aroma, dentro dum bloco duro, impenetrável. é o sonho cativo num ovo hermético de bronze. As almas emotivas dos grandes visionários, essas conservam aquela gra?a radiante, aquela omnipresen?a espiritual, que as deixa embeber, mover, existir na fraternidade cósmica e divina. O sonhador dos Pobres é um evocador atormentado e religioso. Busquei no seu livro a imagem ardente da sua alma. Vamos ver se a desenho com rapidez e precis?o.
Alma vibrátil e fugaz, olhando a natureza, o que sentiu? Assombro, esplendor, pavor, enigma, deslumbramento. Tudo vive, deseja, estremece, palpita, murmura e sonha. Tudo vive, tudo vive: o homem, a fera, a rocha, o lodo, a água, o ar, braseiros de mundos, aluvi?es de nebulosas, incorporeidade genésica do éter. Fervedoiro de vidas insondável, que o tempo n?o esgota, porque a morte criadora continuamente o desorganiza e reproduz em formas novas e diversas. E todas se cruzam, beijam, penetram, correspondem. é uma teia vertiginosa de fios sem fim, de fios móveis, ondeantes, cambiantes, urdindo-se ela mesma, na eternidade impenetrável, sem ninguém ver o tecel?o. Rigidez, solidez, inércia, n?o existem. Na fraga mais dura, no bronze mais compacto circulam desejos, dramas, turbilh?es de moléculas e vontades. As cordilheiras inabaláveis s?o redemoinhos dentro de enxovias. O concreto dilui-se, o material evapora-se. O sol tombando, aniquilaria cardumes de planetas, e a lua do sol, que é sol volatilizado, pesa menos que uma folha de rosa na m?o duma crian?a. Em cada bloco metálico latejam oceanos dormentes, de vagas fluidas, invisíveis. Acordem-nos, e o bloco obtuso, electrizado, irradia no éter. Vede um penedo monstruoso: Parece firme. Desagregou-se, e é lama; a raiz tocou-lhe e é seiva; a seiva gerou, e é flor e é fruto; o fruto, alimento; o alimento sangue; e o sangue vermelho, corpo que caminha, carne que fala, cérebro que pensa. Natureza! universo!... Vidas infindáveis eternamente circulando numa vida única. Assombro, esplendor, pavor, deslumbramento! O homem vacila, desmaia, quer equilibrar-se... mas onde, se n?o há terra em que poise, nem muro a
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