Os Lusíadas | Page 5

Luís Vaz de Camões
alcan?ou favor do Céu sereno.?Assim que sempre, enfim, com fama e glória,?Teve os troféus pendentes da vitória.
26?"Deixo, Deuses, atrás a fama antiga,?Que coa gente de Rómulo alcan?aram,?Quando com Viriato, na inimiga?Guerra romana tanto se afamaram;?Também deixo a memória, que os obriga?A grande nome, quando alevantaram?Um por seu capit?o, que peregrino?Fingiu na cerva espírito divino.
27?"Agora vedes bem que, cometendo?O duvidoso mar num lenho leve,?Por vias nunca usadas, n?o temendo?De áf rico e Noto a for?a, a mais se atreve:?Que havendo tanto já que as partes vendo?Onde o dia é comprido e onde breve,?Inclinam seu propósito e porfia?A ver os ber?os onde nasce o dia.
28?"Prometido lhe está do Fado eterno,?Cuja alta Lei n?o pode ser quebrada,?Que tenham longos tempos o governo?Do mar, que vê do Sol a roxa entrada.?Nas águas têm passado o duro inverno;?A gente vem perdida e trabalhada;?Já parece bem feito que lhe seja?Mostrada a nova terra, que deseja.
29?"E porque, como vistes, têm passados?Na viagem t?o ásperos perigos,?Tantos climas e céus experimentados,?Tanto furor de ventos inimigos,?Que sejam, determino, agasalhados?Nesta costa africana, como amigos.?E tendo guarnecida a lassa frota,?Tornar?o a seguir sua longa rota."
30?Estas palavras Júpiter dizia,?Quando os Deuses por ordem respondendo,?Na senten?a um do outro diferia,?Raz?es diversas dando e recebendo.?O padre Baco ali n?o consentia?No que Júpiter disse, conhecendo?Que esquecer?o seus feitos no Oriente,?Se lá passar a Lusitana gente.
31?Ouvido tinha aos Fados que viria?Uma gente fortíssima de Espanha?Pelo mar alto, a qual sujeitaria?Da índia tudo quanto Dóris banha,?E com novas vitórias venceria?A fama antiga, ou sua, ou fosse estranha.?Altamente lhe dói perder a glória,?De que Nisa celebra inda a memória.
32?Vê que já teve o Indo sojugado,?E nunca lhe tirou Fortuna, ou caso,?Por vencedor da índia ser cantado?De quantos bebem a água de Parnaso.?Teme agora que seja sepultado?Seu t?o célebre nome em negro vaso?D'água do esquecimento, se lá chegam?Os fortes Portugueses, que navegam.
33?Sustentava contra ele Vénus bela,?Afei?oada à gente Lusitana,?Por quantas qualidades via nela?Da antiga t?o amada sua Romana;?Nos fortes cora??es, na grande estrela,?Que mostraram na terra Tingitana,?E na língua, na qual quando imagina,?Com pouca corrup??o crê que é a Latina.
34?Estas causas moviam Citereia,?E mais, porque das Parcas claro entende?Que há de ser celebrada a clara Deia,?Onde a gente belígera se estende.?Assim que, um pela infamia, que arreceia,?E o outro pelas honras, que pretende,?Debatem, e na porfia permanecem;?A qualquer seus amigos favorecem.
35?Qual Austro fero, ou Bóreas na espessura?De silvestre arvoredo abastecida,?Rompendo os ramos v?o da mata escura,?Com ímpeto e braveza desmedida;?Brama toda a montanha, o som murmura,?Rompem-se as folhas, ferve a serra erguida:?Tal andava o tumulto levantado,?Entre os Deuses, no Olimpo consagrado.
36?Mas Marte, que da Deusa sustentava?Entre todos as partes em porfia,?Ou porque o amor antigo o obrigava,?Ou porque a gente forte o merecia,?De entre os Deuses em pé se levantava:?Merencório no gesto parecia;?O forte escudo ao colo pendurado?Deitando para trás, medonho e irado,
37?A viseira do elmo de diamante?Alevantando um pouco, mui seguro,?Por dar seu parecer, se p?s diante?De Júpiter, armado, forte e duro:?E dando uma pancada penetrante,?Com o conto do bast?o no sólio puro,?O Céu tremeu, e Apolo, de torvado,?Um pouco a luz perdeu, como enfiado.
38?E disse assim: "ó Padre, a cujo império?Tudo aquilo obedece, que criaste,?Se esta gente, que busca outro hemisfério,?Cuja valia, e obras tanto amaste,?N?o queres que pade?am vitupério,?Como há já tanto tempo que ordenaste,?N?o on?as mais, pois és juiz direito,?Raz?es de quem parece que é suspeito.
39?"Que, se aqui a raz?o se n?o mostrasse?Vencida do temor demasiado,?Bem fora que aqui Baco os sustentasse,?Pois que de Luso vem, seu t?o privado;?Mas esta ten??o sua agora passe,?Porque enfim vem de estamago danado;?Que nunca tirará alheia inveja?O bem, que outrem merece, e o Céu deseja.
40?"E tu, Padre de grande fortaleza,?Da determina??o, que tens tomada,?N?o tornes por detrás, pois é fraqueza?Desistir-se da cousa come?ada.?Mercúrio, pois excede em ligeireza?Ao vento leve, e à seta bem talhada,?Lhe vá mostrar a terra, onde se informe?Da índia, e onde a gente se reforme."
41?Como isto disse, o Padre poderoso,?A cabe?a inclinando, consentiu?No que disse Mavorte valeroso,?E néctar sobre todos esparziu.?Pelo caminho Lácteo glorioso?Logo cada um dos Deuses se partiu,?Fazendo seus reais acatamentos,?Para os determinados aposentos.
42?Enquanto isto se passa na formosa?Casa etérea do Olimpo onipotente,?Cortava o mar a gente belicosa,?Já lá da banda do Austro e do Oriente,?Entre a costa Etiópica e a famosa?Ilha de S?o Louren?o; e o Sol ardente?Queimava ent?o os Deuses, que Tifeu?Com o temor grande em peixes converteu.
43?T?o brandamente os ventos os levavam,?Como quem o céu tinha por amigo:?Sereno o ar, e os tempos se mostravam?Sem nuvens, sem receio de perigo.?O promontório Prasso já passavam,?Na costa de Etiópia, nome antigo,?Quando o mar descobrindo lhe mostrava?Novas ilhas, que em torno cerca e lava.
44?Vasco da Gama, o forte capit?o,?Que a tamanhas empresas se oferece,?De soberbo e de altivo cora??o,?A quem Fortuna sempre favorece,?Para se aqui deter n?o vê raz?o,?Que inabitada a terra lhe parece:?Por diante passar determinava;?Mas n?o lhe sucedeu como cuidava.
45?Eis aparecem logo em
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