Os Bravos do Mindello | Page 7

Faustina da Fonseca
menino do c?ro; o que ainda parecia, apezar dos quarenta annos, pelo effeminado dos ademanes de aprendiz de clerigo, pelo tom rosado da face gorda e oleosa, a que a larga tonsura dava uma frescura de novo; e desapertando o cord?o de n��s, clamou na voz de canna rachada, em que outr'ora cantava de falsete, limpando o suor ao len?o de Alcoba?a sujo de rap��:
--Veja e aprenda, Jo?osinho, como se prat��ca a verdadeira egualdade, n?o a d'esses malditos clubs, mas a que �� agradavel ao ceu! Aprenda, que est�� em edade. N'esta velha casa fidalga fraternisam, libando o vinho de Deus, dando gra?as ao Altissimo pelas suas obras, a nobreza representada no excellentissimo senhor Martinho Vasques de Linhares Soeiro, morgado dos Folhadaes, o clero n'este humilde servo do Senhor, e o povo n'esse vill?o, esse ninguem, esse bicho da terra, esse p�� da estrada!--e apontava mestre Jacintho.--Exemplos d'estes, s�� na educa??o religiosa se encontram. E para isto n?o �� preciso ser jacobino, nem republicano, nem pedreiro livre, nem cuspir na hostia consagrada!
Benzeu-se horrorisado e, sem transi??o, desceu do tom de pr��gador:
--Mas o Jo?osinho n?o bebeu nada. V�� l��. Um s�� n?o faz mal.
Encheu-lhe um copo, derramando vinho pela toalha, e deitou outro para si.
--Beba �� saude do senhor morgado, e vamos para o terra?o, que se abafa de cal?r.
Habituado ��quellas scenas, bebeu satisfeito Jo?o. Talvez lhe d��sse o vinho o animo preciso.
Sa��ram, o morgado �� frente, equilibrando-se ao bord?o de marmeleiro polido, no apparato de uma vara de juiz, em gravidade processional; depois o frade, arrastando as sandalias, conchegando a proeminente barriga, levando no rega?o o cord?o e o rosario, que desapertara; Jo?o pisando respeitoso, ao de leve; e por fim o mestre Jacintho, muito curvado, rindo e falando comsigo mesmo.
Assentaram-se a nobreza e o clero na banqueta de azulejo, que corria ao longo da emp��na da casa, no terra?o voltado para S. Matheus. Sentou-se Jo?o sem esperar convite, por direito proprio, considerando-se tanto ou quanto nobre, pelos f��ros de fidalguia da espada do av?; e n'essa decis?o j�� reconhecia o effeito do vinho fazendo-lhe perder a usual timidez, e j�� acariciava a proxima entrevista com Maria. Disciplinado como soldado, e t?o firme quanto lhe era possivel, conservava-se mestre Jacintho de p�� ante os seus superiores hierarchicos, chalaceando, contando historias de caserna, as m?os perto dos ouvidos, o rosto expandindo-se n'um sorriso de bom velhote.
Depois sa��u Martinho Vasques com o jardineiro, a v��rem os trabalhos da quinta, e frei Angelico e Jo?o foram para o escriptorio.
Dobrado para a meza de saia de baeta vermelha, limpando no cabello a penna de pato, olhava a furto, pela janella fronteira, a varanda de pedra do fundo da quinta, onde passeavam �� sombra da parreira, Maria, a prima que ia jantar com ella e passar a tarde, e Jorge da Feteira, namorado de D. Josepha da Esperan?a, que apparecia para a merenda.
Tinha ciumes do fidalgote que levava a confian?a de primo a beijar Maria �� entrada e �� sa��da, e invejava-lhe a liberdade em que andava com as duas raparigas ao fresco da tarde, pela recatada vastid?o do pomar.
Afastavam-se, mas elle espionava o quadro recortado pela janella na parede nua, e tornava a v��l-os notando a impaciencia com que o observavam.
Orgulhava-o esse interesse. Sabia que o estimavam, que o esperavam para a merenda, mas n?o deixava de reconhecer, por parte dos primos reunidos para falarem, o motivo d'essa espectativa, poderem afastar-se deixando Maria entretida com elle.
Deitado em cima da papeleira encet��ra o frade diversas folhas de papel, mas a penna de pato, rangendo muito, fazia-lhe uma lettra incerta, incomprehensivel, e a m?o tremula deixava cair borr?es que impossibilitavam a continua??o. Deitava-lhe areia, encanudava a folha e despejava-a no recipiente de chumbo, mas os pingos de tinta l�� ficavam. E na ataranta??o de poupar meia folha de garatujas despejou-lhe por cima o proprio tinteiro, borrando o len?o, as m?os, todos os papeis do al?ap?o.
Rendeu-se ent?o �� evidencia, reconheceu-se incapaz de escrever, e lan?ando-se para o hirto canap�� de palhinha, tomou rascunhos de cartas e poz-se a ditar a Jo?o.
Entretido com a janella, elle escrevia machinalmente, repetia distrahido, errando o ditado; e fr. Angelico, sentindo a cabe?a pesada, crendo seu o engano, envergonhou-se do rapaz e deu por findo esse t?o pouco proveitoso trabalho.
Ia emfim desabafar!
Mas o acanhamento assaltava-o de novo, e ainda pensava adiar para mais tarde essa urgente expans?o.
Desceu ao pateo de entrada, abriu a cancella que dava para as trazeiras da casa, onde as gallinhas debicavam montes de estrume, e os filhos do quinteiro pulavam nos picos de matto ro?ado para o lume; passou por entre os chiqueiros, atravessou o jardim, rodeiou o repucho, contornou os taboleiros de onde vinha o cheiro penetrante dos cravos; e ao fim das ruas de buxo, abriu outro portal, e internou-se na quinta, por debaixo da latada
Continue reading on your phone by scaning this QR Code

 / 62
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.