Os Bravos do Mindello | Page 4

Faustina da Fonseca
que possa dizer Santo nome de Jesus:
A cruz des?a do ceu E se deite sobre mim O Deus que n'ella padeceu Elle responda por mim.
Por fim o dedo pollegar da m?o direita, tornado bento pela tarefa redemptora, foi beijado devotamente, e s�� depois a serva se virou para o lar.
Dorotheia commentou, compadecida:
--D?o com ella em doida as innova??es dos constitucionaes. Demora-se toda a manhan nas compras, porque vae para a S�� p?r-se de empada, a rezar, a rezar, em desaggravo ��s heresias, aos desacatos.
Pulcheria insistiu teimosa, devorando o sobrinho com os olhos:
--�� para o que servem os pedreiros livres!
Elle riu n'uma explos?o juvenil.
--Pedreiros livres? Julga-me talvez? Tem gra?a!
A tia confirmou:
--A senhora Joaquinina do �� v��-te sempre no falatorio da botica, e toda a gente sabe que �� ali o coio dos que beijam o diabo �� meia noite.
--Admiro-me que uma mulher de tanta virtude, que anda sempre com o cord?o de S?o Francisco �� cinta, n?o diga que tambem l�� v��, a jogarem o gam?o, os meus mestres, o senhor conego Penedo, o senhor padre Jeronymo Emiliano d'Andrade e o senhor conego Ferraz, governador do bispado.
--Esses s?o pedreir?es dos grandes!
--Pois tia, antes me quero com elles do que com fr. Angelico da Immaculada e as suas confessadas, como a senhora Joaquinina do ��.
Comera os figos lampos do quintal, as postas de moreia frita a que escolhia a pelle torriscada, o affonso de lapas em que o marisco guisado e o longo musgo das conchas conservavam o acre sab?r do mar; e tom��ra, j�� levantado, o caf�� com leite, esse delicioso caf�� vindo directamente do Brasil, em paga das saias bordadas em que se entretinham as tias.
De olhos no tecto e m?os postas, repetiam tres vezes as velhas, junto da meza ?Bemdito seja Deus, que me deu de comer sem eu lh'o merecer?, notando desgostosas que Jo?o se esquivava ultimamente �� ac??o de gra?as, o que para Pulcheria era um signal certo de pacto com o Demonio.
Despediu-se, saiu, passou ��s Monicas lan?ando um olhar irritado ao convento, cujas grades a liberdade havia de arrancar, desceu a ingreme Myragaia, notou grande movimento no palacio do governo, mas, evitando comprometter-se para com o morgado, n?o entrou a perguntar novidades de Lisboa.
Voltou �� rua do Convento da Esperan?a, e passou por diante do collegio dos jesuitas, tendo em frente a farta cerca dos franciscanos, a frontaria do convento esburacada de janellinhas como um pombal, a fachada com dois grandes bra?os cruzando-se de punhos fechados contra a cidade--as armas de S. Francisco.
Virando a esquina entrou na pra?a, e foi direito �� botica, ao canto do Passo onde parava a prociss?o e se cantavam motetes.
Para ir ali tinha a justifica??o de falar ao mestre, e trazia-a engatilhada para alguma pergunta do morgado.
Esbravejava o boticario, tornando a loja em club:
--Aqui n?o se recebem ordens do Miguel! Isto n?o �� terra de burros nem de corcundas. Bem se quer fazer fino, mettendo-nos �� cara o decreto, o capit?o general, mas para c�� vem de carrinho! O presidente da camara convocou uma reuni?o extraordinaria, a que concorreram as principaes pessoas dos tres estados, clero, nobreza e povo, e resolveram n?o cumprir as cartas regias por falta das formulas da carta constitucional. E a fragata ha de sair immediatamente, ou n?o sae mais, que se lhe ferram dois balasios, e era uma vez uma Princesa Real!
N?o iria n'aquelle navio! E respirava desafogado. Agora nada mais lhe importava.
Dissipava-se-lhe o terror, mas aproveitaria a li??o, e n?o ficaria sujeito ao risco de a ver partir sem que nada tentasse para impedil-o. Sentia-se bem, tinha vontade de correr, de saltar, como ao sair da li??o de latim do conego Penedo, um alto vermelha?o, de cabello branco com laivos do passado loiro, olhos azues escarnecendo atravez dos occulos de aros d'oiro, que tratava uns discipulos por Ciceros e outros por b��stas, e na rua correspondia aos cumprimentos com a m?o fechada, murmurando uma grossa obscenidade dita por entre os dentes brancos e largos, onde se arrastavam ruidosamente os ��rres.
Como no momento de liberta??o em que a garrida chamava os conegos �� S��, e Penedo, bufando, contrariado, repoltreava-se na grande cadeira do c?ro, cabeceando, a remoer o ripan?o em voz roufenha, ia Jo?o na doidice do mar que, antes de enamorado, era o seu encanto.
Sentia-se t?o livre de cuidados como se tornasse annos atraz, quando corria pela praia, emquanto espaireciam os conegos, pausadamante, rua da S�� acima, at�� ao Passeio do Alto das Covas, onde ficavam cavaqueando, pitadeando-se, ou deitavam, a desenferrujar as pernas, port?es de S. Pedro em f��ra, at�� ��s quintas do Caminho do Meio, a admirarem as vinhas, n'um culto pag?o mais sincero do que aquelle em que ganhavam a vida a dentro do grande templo frio e escuro.
Tinha o desejo infantil de v��r, com os proprios olhos, sair o navio, para
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