Oração funebre recitada nas exequias do Illm.^o e Exm.^o Sr. Pedro Alexandrino da Cunha | Page 3

Antonio Vasconcellos

exame e exploração da costa do sul de Benguella, e empregado na
repressão de um trafico illicito, que os habitos inveterados, e a falta de
boa direcção administrativa faziam parecer impossivel evitar, trafico
que a philosophia e a humanidade condemnam, e que o proprio
interesse commercial começa hoje a considerar insensato e ruinoso; vós,
que o vistes commandando a Estação Naval, e organisando
estabelecimentos uteis e indispensaveis, a cuja creação se não
abalançára a previdencia e zêlo das primeiras auctoridades da Provincia,
direis que ninguem poderia vir balbuciar uma accusação aos pés deste
feretro, murmurar uma pequena queixa que possa embaciar o lustre de

tão honrada memoria[6].
Mal repousava destes trabalhos, e da penosa commissão que o levára ás
praias da Bahia, aonde a sua firmeza e prudencia foram dignas do
antigo nome portuguez, e já a confiança do Governo abria um campo
mais dilatado ao incansavel espirito do Sr. Pedro Alexandrino da
Cunha, nomeando-o Governador Geral desta Provincia[7].
Era honroso o encargo de governar tão bella possessão, mas era dificil
pela conjunctura de transição commercial violenta, e não preparada,
mais difficil pelas más praticas que era forçoso desarreigar, difficilimo
finalmente pelos illustres predecessores, que honram a extensa lista dos
Capitães Generaes do Reino d'Angola[8].
Que animo não tremeria de desembarcar nas praias conquistadas por
Paulo Dias de Novaes para cingir a nobre espada de Salvador Corrêa,
para succeder a Manoel da Cerveira Pereira, o conquistador de
Benguella, a João Fernandes Vieira, e a André Vidal de Negreiros,
heroicos deffensores do Brazil contra os hollandezes, a D. Francisco
Innocencio de Souza Coutinho, a quem esta Colonia deve os seus
principaes estabelecimentos publicos, e a creação de estudos superiores
que são ainda hoje objecto da saudade de todos os homens intelligentes,
para succeder emfim ao Conde de Porto Santo, a D. Miguel Antonio de
Mello, aos Almeidas, aos Vasconcellos, aos Menezes, e aos Tavoras?
Conhecia-o bem o Sr. Pedro Alexandrino da Cunha, e soube pôr tal
esforço e constancia em desempenhar tão elevada missão, que o seu
governo será contado sempre entre os que mais concorreram para a
felicidade desta Provincia.
Talvez não eram passadas vinte e quatro horas desde que começára a
governar, e já a principal fonte da receita publica estava
providentemente entregue á vasta intelligencia, e recta severidade de
um mancebo, cuja perda ainda ha pouco chorámos, e que foi já
reunir-se com elle na morada dos justos[9].
A organisação das pautas[10], a subordinação dos empregados
discolos[11], a reforma do Terreiro[12], o regulamento das Cadeias[13],

o fomento da cultura do algodão, e o do aproveitamento das mais
plantas uteis e medicamentosas que vegetam e crescem
espontaneamente no solo d'Africa[14], a plantação de arvores[15], o
aceio da Cidade[16], o cuidado de preservar a tropa da chuva e dos
ardores do sol[17], as estradas[18], a instrucção publica[19], e
finalmente a creação da Imprensa, primeiro elemento de civilisação
material e moral[20], mereceram logo a sua mais minuciosa attenção, e
os documentos officiaes do seu governo mostram um certo movimento
civilisador, administrativo, e até certo ponto artistico e professional,
que a Provincia nunca presenciára.
E o homem que lançou nesta terra os primeiros fundamentos da
administração publica, que procurou dar ao commercio uma direcção
util para as grandes emprezas agricolas e industriaes, que descia com
igual aptidão das mais intrincadas questões de um direito
administrativo indefinido, e mais consuetudinario que legal, ao detido
exame dos trabalhos do artista, do maquinista, do agricultor, o homem
cuja gravidade bastou sem grandes correcções a moralisar
completamente todas as repartições do Estado, e cuja prudencia e
rectidão admiraram os proprios estrangeiros a ponto de o fazerem
constar perante quem nunca achára senão motivos para o louvar e
engrandecer nos seus Decretos[21]; era ao mesmo tempo de uma
espantosa simplicidade nas exigencias externas da grandeza, e de uma
exemplarissima modestia.
O Sr. Pedro Alexandrino da Cunha, não pôde no curto espaço do seu
governo levar ao cabo muitos dos generosos pensamentos de
civilisação, e de desenvolvimento material e moral que meditava, e não
lhe faltaram nesse periodo aquellas penosas atribulações que são o
apanagio certo dos cargos mais elevados.
As lutas civis de Portugal arrojaram a estas praias em situação bem
lamentavel caracteres illustres, camaradas seus, e talvez... de certo
amigos e companheiros de combates, de perigos, e de gloria. Vinha
entre elles o Chefe do Estado Maior de Sua Magestade Imperial o
Duque de Bragança[22].
O Sr. Pedro Alexandrino da Cunha, sem desviar-se da proverbial

severidade com que comprehendia o serviço publico, soube, quanto lhe
era permittido, haver-se no cumprimento das suas obrigações por tal
maneira, que foi uma das victimas dessa triste desventura, quem vos
convidou a orar hoje neste Templo pela alma daquelle illustre
finado[23].
Amarga conjunctura para o Sr. Pedro Alexandrino da Cunha; prova
durissima ainda para um coração que podesse ser indifferente á
infelicidade dos
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