seus mais intimos sentimentos, da sua
mais justificada saudade.
Na falta de merecimento proprio heide inspirar-me da idéa sublime que
vos reunio aqui, do santo respeito que leio em vossos semblantes, da
profunda magoa que respiram estas paredes luctuosas, e do honroso e
lugubre preito de homenagem á virtude, que significa toda esta festa
funebre.
O Sr. Pedro Alexandrino da Cunha, do Conselho de Sua Magestade,
Commendador das Ordens d'Aviz, e Torre e Espada do Valor, Lealdade,
e Merito, Capitão de Mar e Guerra, Governador Geral que foi desta
Provincia, e da de Macau, já não existe; e nem se quer podeis ter a
consolação de verter sobre o seu tumulo uma lagrima de saudade.
Esse elevado ataúde em que devia descançar o seu cadaver até que em
nossos braços fosse condusido á ultima morada, está vasio; e jazem a
muitas legoas das nossas praias, apenas cercados de um pequeno torrão
de terra portugueza, os restos do cidadão virtuoso, do administrador
honesto e probo, do chefe incorrupto e severo, do homem discreto e
grave, do patriota intelligente que vos governou durante o curto espaço
de tres annos; mas se falta ali o despojo mortal do vosso virtuoso amigo,
está nos corações de todos o elevado padrão que o representa, a geral e
publica saudade, a universal admiração pela sua constante virtude, e o
profundo respeito pela sua honrada memoria.
Dedicada assiduidade no cumprimento dos seus deveres, gravidade e
circumspecção no exercicio dos empregos publicos, inabalavel amor da
justiça e igual firmeza em administra-la, protecção desinteressada aos
desvalidos, cautelosa desconfiança dos poderosos, e igualdade severa
em attender a todos, honestidade sem a mais ligeira mácula, e modestia
exemplar, foram as qualidades que reunidas á vasta intelligencia que
lhe déra a natureza, e que elle cultivára com esmero, o fizeram
respeitado e grande em um e outro hemispherio, e ainda além do
temeroso cabo a que em tempos mais felizes trocámos o nome com
espantosa previdencia do futuro.
Importa pouco saber se o Sr. Pedro Alexandrino da Cunha, pertencia á
classe da nobreza portugueza: as nove cunhas de oiro que illustram o
brazão da familia do Alferes-Mór de D. João I., não acrescentariam
uma folha sequer aos immarcessiveis loiros da sua gloria, nem o
exemplo de nobilissimos ascendentes poderia impôr-lhe maiores
obrigações, do que as que seu honrado pae lhe legou morrendo em
Argel de feridas recebidas em combate com os moiros, quando ainda
faltavam alguns mezes para o nascimento de seu filho[1].
O Sr. Pedro Alexandrino da Cunha, aceitou corajosa e dedicadamente
este legado paterno de servir a patria, e de morrer por ella; e cumprio-o
com espantosa perseverança.
A sua vida foi desde os primeiros annos votada inteiramente ao serviço
do Estado, já preparando o seu espirito com assiduos e convenientes
estudos em que todos o admiraram, já escolhendo uma nobre profissão,
da qual são socios inseparaveis os trabalhos mais rudes, as mais
improbas fadigas; e com effeito, os incompletos dez lustros da sua
laboriosa existencia foram passados nas mais trabalhosas commissões
do serviço publico[2].
Apenas entrado nos primeiros postos do Exercito, abrio-se-lhe largo
ensejo de mostrar as suas propensões politicas, a capacidade do seu
espirito, a extensão, e utilidade do seu prestimo e valia.
A liberdade acenou-lhe do alto daquelle rochedo heroico em que depois
de desastrosos acontecimentos se apinhavam os seus bravos defensores,
e o Sr. Pedro Alexandrino da Cunha, já estava na Ilha Terceira quando
o filho mais moço do Imperador e Rei acabava apenas de sentar-se no
Throno de Portugal[3].
Ali como Official de Infanteria, e depois como Official da Armada,
mostrou em arriscadas commissões para quanto o habilitavam a escolha
dos seus estudos, a seriedade de seu caracter, e a sua infatigavel
actividade[4]; e desde esse tempo até ir com o Duque de Bragança
cravar nas praias do Mindêlo o estandarte da liberdade portugueza,
pôde por tal fórma provar o muito para que era, que nas continuas e
indispensaveis lutas da nossa difficil reconstrucção politica, nenhum
governo pôde dispensar os seus serviços, nenhuma consideração
aconselhou nunca que o afastassem dos negocios publicos, porque o Sr.
Pedro Alexandrino da Cunha, era mais patriota que partidario, mais
homem do seu paiz do que homem das facções[5].
Quasi estranho ás nossas dissenções civís vivia para os melhoramentos
uteis, para os grandes pensamentos praticos, sem os quaes não ha
civilisação possivel; e naquella alma, que o fogo das paixões politicas
não consumira, vegetavam com a virgindade da primeira florescencia o
amor da Patria, o dezejo do engrandecimento e respeito do nome
portuguez, o infatigavel ardor pela realisação dos melhoramentos
materiaes, e uma certa moralidade catoniana que passaria por fabulosa
se vós todos a não testemunhasseis, se este acto grandioso e sublime
não fosse a prova mais indisputavel desta profunda verdade.
Vós, que o conhecestes entregue aos curiosos e difficeis trabalhos do
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