ser mesmo se ella fosse destruida. Taes são as miserias
que teem resultado do modo porque durante muitos seculos foram
tractadas as letras. D'estas ninharias poderiamos dar muitos exemplos;
mas voltemos ao nosso objecto.
Depois de Aristoteles a poesia foi para os antigos a imitação do bello
da natureza, tendo por condições a unidade e a verdade, ou a
verosimilhança. É esta em nossa opinião a maneira mais simples de
exprimir a philosophia da arte entre elles, ou os elementos da sua
poetica, os quaes o continuaram a ser até nossos dias. É, pois, o valor
dos termos imitação, bello, unidade, verdade ou verosimil, que cumpre
determinar para ver se as idéas que exprimem estão em harmonia entre
si, e se podem dar validade a uma poetica nellas fundada.
A imitação suppõe o bello em a natureza moral ou physica, e qualquer
d'ellas existente fóra de nós. Os actos humanos serão na primeira,
digamos assim, o substractum da imitação: na segunda sê-lo-hão os
corpos, e o bello nos será communicado por meio das sensações:
qualidade dos corpos, fórma das acções, naquelles a sua impressão será
universal, nesta nunca necessaria. O europeu, o chim, o hottenlote
sentirão egualmente que o Apollo de Belvedere é bello: a acção dos
templarios cantando hymnos a Deus no meio das chammas, e cuja
morte Mr. Rainouart pintou divinamente num só verso:
«Il n'en etait plus tems, les chants avaient cessé.»
nunca será nessariamente bella: se elle a imitou de um acto humano
similhante, esse acto sendo contingente parece-nos não teria qualidade
dotada de caracter necessario: se applicarmos isto a uma acção épica ou
dramatica, ainda mais visivel é a falta de necessidade da sua existencia
e consequentemente a dos seus caracteres formaes.
Se dissermos que o bello é relativo e resultado do nosso modo de ver,
da relação particular dos objectos comnosco, da harmonia ou
desharmonia dos tactos com as nossas idéas moraes, nesse caso não
poderemos affirmar que os Lusiadas ou a Odyssea sejam
absolutamente superiores ao Affonso ou ao Viriato Tragico. Poderemos
dizer que para nós não ha sequer comparação; mas seria absurdo exigir
dos outros o mesmo sentimento. Boileau julgou esquivar-se a esta
difficuldade asseverando que a opinião geral devia ser a norma do
nosso modo de sentir, e que a totalidade dos homens não se engana
numa crença duradoura. Desejariamos que Boileau nos dissesse se era
pela opinião geral que elle acharia frio o gelo e quente o fogo. Que nos
importa a opinião quando se tracta de sensações? Que vale mesmo aos
olhos dos homens cordatos o credito de uma opinião geral? Cremos nós
hoje na arte mágica, na alchymia, ou na virtude dos Jesuitas? E foram
estas crenças porventura pouco geraes e pouco duradouras? Quando
concedessemos o principio, elle nos seria inutil para julgar as
producções contemporaneas, e a critica não nos serviria para conservar
puras as letras, nem para gozar as creações do genio moderno: a gloria
ou o desprezo não encontraria já nem as cinzas do poeta. Seculos
haveriam passado para reformar a opinião, quando isso mesmo fosse
possivel.
Mas felizmente não é assim. Lamartine! com uma poesia celeste tu
fazes adorar a religião que saudaste em teus hymnos solitarios. Monti!
tu nos encheste de um terror delicioso conduzindo-nos aos umbraes do
outro mundo. Schiller! quem não sentiu bater mais fortemente o
coração lendo a despedida de Picolomini e Thecla? A infancia do
seculo XIX já tem muitos titulos com que faça passar sua memoria
enobrecida deante dos outros seculos. Elles julgarão como nós os
genios que no meio das tempestades politicas consolaram o genero
humano com a harmonia de seus cantos. Acêrca de Lamartine, de
Monti, de Schiller, e não só d'elles, nós damos seguro da posteridade.
Tal é o bello para quem o julgar em sua modalidade necessario e
absoluto: uma idéa opposta repugna e nos afflige: nós queremos que
todos os tempos, todos os homens o julguem e gozem como nós, e
diremos sem hesitar, o que não for de nosso sentir ou carecerá de gosto
ou o terá pervertido.
É esta circumstancia da necessidade do nosso juizo sobre o bello que
distingue inteiramente este do agradavel.--Do primeiro nós affirmamos
a existencia, do segundo a sua relação comnosco. O quadro da morte da
Clorinda na Jerusalem Libertada é bello, e que deixe os poetas aquelle
que tal não o julgar. Um pomo saboroso é para nós agradavel, talvez
para outrem o não seja, o que nos é indifferente. No primeiro caso
julgamos; no segundo exprimimos a idéa da relação particular entre nós
e o phenomeno.
A que reduzirião Burke e Delaunay a maxima parte do que escreveram
sobre o assumpto se tivessem reflectido nesta differença? Poria um
porventura os elementos do bello nas linhas curvas e no macio e
tê-lo-ia outro dividido geographicamente como se dividem as
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