laboriosas
e humildes por emprasamentos de superficie limitada, ou que, pelo
menos, poderia ser vendida depois de retalhada, alienou-se por um
systema absolutamente contrario. Dividida a propriedade tornar-se-hia
accessivel a todas as condições e fortunas pelo emprasamento, e pela
venda a milhares de pequenos peculios. Em vez d'isso cahiu geralmente
nas mãos de homens opulentos, trocou-se por capitaes avultados. Em
muitos casos foi o rico proprietario que conglobou nos seus extensos
predios vastos predios nacionaes, e isto n'um mercado onde reinava
pela abundancia a depreciação do genero, e onde a concorrencia era
difficil. Outra parte serviu para converter muitos capitalistas em
proprietarios. Assim se annullaram os mais importantes resultados que
se deviam ter tirado da reivindicação parcial dos bens da corôa para o
patrimonio publico, e da extincção das corporações religiosas.
Foi a ignorancia que produziu o mal? Foi a persuasão de que a grande
propriedade era mais util do que a pequena? Não o cremos. A
verdadeira razão era o interesse pessoal dos homens influentes.
Tinham-se inventado as indemnisações; tinham-se taxado os exilios, as
perdas effectivas, os lucros cessantes, as perseguições que se haviam
padecido por causa de opiniões. A religião do juramento, a fé nos
principios, a lealdade á dynastia legitima deixaram de ser uma herança
de honra para se legar como exemplo a filhos e netos, e converteram-se
em capital com juro: os heroes transformaram-se em chatins. Foi uma
abdicação moral quasi completa, a que a historia fará justiça. Para as
indemnisações a alienação em grande convinha por mais de um modo.
O _Ha-de-haver_ da conta de ganhos e perdas engrossava-se
prodigiosamente ao lado do Deve em branco. Os mercadores politicos,
que a escripturavam, viam-se no governo, no parlamento, nos
conselhos, nos altos cargos administrativos, judiciaes, e militares.
Olharam para essa mole appetitosa e immensa que tinham ante si, e
talharam a reparação pelo valor da presa cubiçada. Quanto mais se
accumulassem e portanto se depreciassem no mercado os bens
nacionaes, maior porção d'elles seria necessaria para satisfazer
indemnisações exaggeradas. Com o tempo desappareceu tudo. O que
não serviu para se trocar a honra politica por fortuna predial,
desbaratou-se por preços insignificantes. Os capitalistas vieram
substituir-se aos donatarios, aos commendadores e aos frades. Depois
os heroes e os capitalistas foram ao templo dar graças aos deuses. A
republica estava salva.
Então seguiram-se quinze a vinte annos de revoluções tão estrondosas
como insignificantes. Os partidos disputaram o poder, luctaram,
digladiaram-se: houve sangue e desventuras; houve theorias
dominantes, vencidas depois, e vencedoras de novo; houve homens
turbulentos e cubiçosos (os ambiciosos são raros no nosso paiz) que ora
se apoderaram do poder, ora desappareceram na obscuridade, quando
não no exilio: houve todas as convulsões, todas as peripecias dos
tempos de politica pessoal, de politica de odios acerbos e de interesses
individuaes feridos. Só faltaram novos incitamentos para o progresso
legitimo. Dentro da acção administrativa e parlamentar, o
desenvolvimento do paiz, desenvolvimento innegavel, posto que muito
inferior ao que devera ter sido, foi apenas a consequencia das
providencias da primeira dictadura, e de alguns poucos actos da
revolução de 1836, em que appareceu um homem de verdadeiro talento
e de verdadeiro patriotismo, mas que, perdoe-nos elle, quasi
compensou o bem que fez com os males cuja semente lançou á terra,
transportando do campo da theoria para o dos factos as idéas
proteccionistas. Ainda eram, comtudo, idéas: ainda era um reflexo de
1832. Depois só houve politica esteril ou reaccionaria. O progresso,
independente das instituições, das leis e da acção administrativa, que se
realisou n'este periodo, tem-se devido ás idéas e aos esforços
particulares, á razão e á actividade dos cidadãos, movendo-se n'um
ambiente de liberdade intellectual; porque é preciso confessar que
n'esta longa epocha de pequenas paixões e de turbulencias
interminaveis a iniciativa individual e a liberdade dos espiritos, fóra da
esphera politica, tem sido geralmente respeitada.
O cansaço quebrou por fim a violecia das facções e trouxe o periodo do
repoiso. Boas ou más que fossem as doutrinas dos partidos militantes,
ellas eram bandeira, não crença. A prova ahi está na historia dos
ultimos quatro annos. Modificaram-se e mollificaram-se as opiniões,
porque não tinham sido senão o estandarte dos interesses particulares, e
porque nas phases variadas da longa lucta das parcialidades aquelles
interesses chegaram mesmo, por acaso, a uma combinação
politicamente possivel. Mas este facto trouxe outro mais grave: o paiz,
que suspeitava de muitos, descreu de todos. É um mal ou um bem
absoluto? O futuro o dirá. O que é certo é que desanimou e tornou-se
indifferente aos partidos. Entretanto é incontestavel que vivemos n'uma
quadra tranquilla. Que os homens influentes da situação o attribuam,
não á indifferença do paiz, ao seu tedio de conflictos mais ou menos
sanguinolentos e devastadores, mas sim á illustração, á justiça, á
moralidade e ao liberalismo do poder, e á sua propria philosophia

Continue reading on your phone by scaning this QR Code
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the
Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.