a revolução militar iniciada na cidade do Porto e consumada em
Lisboa nesse interregno parlamentar, derrubar a constituição vigente e
proclamar a restauração da carta.
Importa recordar que ás primeiras demonstrações do movimento
revolucionario logo se organisou em Lisboa a famosa colligação liberal
em que as maiorias de ambas as camaras notoriamente se
representaram e que pública e solemnemente protestou contra elle. A
esta colligação se associaram por actos officiaes a corôa, o ministerio
exceptuando um dos seus membros que tomou o partido dos revoltosos,
e outro gabinete que ainda subiu ao poder e chegou a planear medidas
enérgicas para restabelecer a ordem. Sem embargo a revolução
conseguiu triumphar e não só ou não tanto pelo império da força, mas
porque o estado de cousas a que o procedimento dos poderes
constituidos até então conduzira, lhe abrira caminho e facilitara o
triumpho. Ao passo que decorridas duas sessões parlamentares ainda
estava por definir em pontos primordiaes o definitivo plano politico que
o partido cartista houvesse de adoptar, quer ao sabor de exaltados quer
ao de moderados, visto que fabianamente se fugira das questões
constitucionaes que podiam aclará-lo, como era a da reorganisação da
segunda camara, tinham-se restringido todas as liberdades populares e
nas mãos do executivo se haviam concentrado por esse e outros
processos habituaes, meios de acção politica e administrativa tão
pronunciados que, por apenas o acautelarem contra as turbulencias do
setembrismo, deixando-o todavia exposto a surpresas da parte dos seus
correligionarios, tanto podiam demonstrar o sincero propósito de
manter a todo o transe a ordem pública, como o reservado intuito de
acabar radicalmente com a politica transitoria, recorrendo sem temor de
resistencias a processos mais ou menos summarios. De modo que o
procedimento do cartismo militar se reduziu a empolgar por favoravel
ás suas conhecidas paixões uma situação que lhe tinham creado e que
de improviso não seria possivel mudar. As memorias de que vamos
extrahindo esta perfunctoria noticia nos dão como principaes
planeadores daquella politica como que preparatoria, além do ministro
que ousadamente desertou do governo para os revolucionarios, um
outro bem notavel pela sagacidade que sempre lhe foi attribuida, o que
na imperfeita e tardia reconstituição ministerial de 1841, passara da
pasta do reino á dos estrangeiros e que, ao ver que o primeiro lhe
disputava a preeminencia politica nos acontecimentos que íam
decorrendo, e que o plano em que collaborara se complicava
gravemente, por último resolveu acompanhar com os seus demais
collegas a corôa senão encaminhá-la para o lado da colligação. Assim
esta, embora vencida, adquiriu proporções de facto não menos
assignalado que a revolução, cobrindo até onde possivel
responsabilidades contrahidas por muitos dos colligados e estremando
novos arraiaes para as campanhas politicas que depois agitaram o país.
Houvera, porém, alguns deputados cartistas que não tinham
acompanhado a maioria na sua submissão ao ministerio, nem esperado
pela revolta militar para pugnar pelos bons dictames do cartismo
doutrinario. A tempo haviam elles combatido os excessos de
auctoridade e propostas do governo absorventes das prerogativas
parlamentares ou contrárias ás normas constitucionaes, e pela formação
de um ministerio genuinamente cartista que em vez de sobrexcitar as
paixões lhes impusesse respeito, mantendo o seu partido dentro
daquellas normas e honrando-o com uma politica leal e patriotica. Taes
eram os deputados do grupo chamado da opposição cartista, que teve
por orgãos na imprensa--O Director--em 1840 e--O Constitucional--em
1841 e foi da opposição parlamentar seguramente o mais notavel e o
mais temido pelo ministerio. A este grupo, como o leitor terá previsto,
pertenceu A. Herculano, guardada a independencia das suas opiniões
em assumptos especiaes, resultando-lhe de tal filiação ser alvo de
aggravos na camara e na imprensa ministerial, onde elle e os seus
amigos eram accusados de tránsfugas aos quaes cegava a cubiça de
ascender ao poder. Alguns ministros chegaram ao excesso de tentar
comprometter A. Herculano com el-rei D. Fernando cujo bibliothecario
era, não vingando a intriga, graças á gentileza do príncipe e á energia
nunca desmentida do escriptor; e tão vivas eram as animadversões
contra a opposição cartista, que ainda depois da revolução consumada,
e como se esta tivesse triumphado com geral acolhimento, continuaram
os seus apologistas a julgar segundo as proprias paixões os homens
daquelle grupo, especialmente A. Herculano, quer em publicações quer
em conversações particulares. Emfim, succede que ainda em recentes
escriptos appareçam reflexos desses juizos que o facciosismo daquella
épocha havia inspirado. Mas a noticia que deixamos exposta é bastante
circumstanciada para que se possa concluir que elles são hoje e foram
na sua origem tão infundados quanto os que já rebatemos a respeito da
redacção do Diario do Governo em 1838. A verdade é que A.
Herculano manteve na camara os mesmos principios em que toda a
colligação liberal e os poderes constituidos estribaram depois os seus
protestos contra a nova solução de continuidade do systema
representativo.
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